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Até onde vai a liberdade de expressão?
| Foto: Bigstock

A liberdade de expressão é direito basilar de todo regime democrático. Não se tem democracia sem liberdade de expressão, e vice-versa.

Atualmente, parece haver uma impressão generalizada da sociedade de que de toda regulação estatal ao direito de se comunicar é antidemocrática. Possivelmente este sentimento decorra de período totalitário em nossa história recente em que a distinção entre os “bons”, que se opunham ao regime, e os “maus”, que censuravam e perseguiam os bons, era clara. Assim, as restrições impostas à liberdade eram, a priori, repreensíveis.

A Constituição Federal de 1988 trouxe, em seu artigo 5º, inciso IX, e artigo 220, a garantia da liberdade de expressão, afastando qualquer possibilidade de censura. Todavia, ao mesmo tempo em que garantiu referida liberdade, também se comprometeu com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, prevendo a justiça, solidariedade e igualdade entre os cidadãos, sem qualquer distinção.

No cenário atual, emergem desafios ao direito à liberdade de expressão, diante da sua plena garantia constitucional somada ao contexto de polarização extrema, emergência de discursos discriminatórios e avanço das redes sociais e tecnologias de comunicação.

Recentemente, o YouTuber Bruno Aiub, conhecido como Monark, foi desligado dos Estúdios Flow após defender, durante uma entrevista, a existência de um partido nazista brasileiro.

Neste horizonte, também, o presidente da República, Jair Bolsonaro, foi proibido pela 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, de utilizar a expressão “lepra” para se referir à hanseníase em discursos e declarações públicas, por ser termo discriminatório e estigmatizante.

Diante dos recentes desdobramentos, coloca-se a pergunta: até onde vai a liberdade de expressão? Na seara trabalhista, que espaço têm empregado e empregador para manifestar suas convicções pessoais?

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alexandre Agra Belmonte, em matéria veiculada no site do TST, destacou que, no ambiente de trabalho, “a subordinação presente na prestação de serviço é um fator de limitação da liberdade de expressão”.

De acordo com Belmonte, “o principal critério é que a liberdade de pensamento e expressão do empregado não pode atentar contra a finalidade principal da empresa”. Seria incompatível e incoerente, por exemplo, um empregado membro de partido político hostil à presença de imigrantes, trabalhar em empresa cuja finalidade é o auxílio de imigrantes no país.

Diante disto, o ministro observa que a Justiça deve solucionar os conflitos relativos à liberdade de expressão utilizando princípios de proporcionalidade, critério comparativo de direitos que requer ponderações. Intensifica-se um direito em desvantagem de outro.

Temos exemplo de tal panorama no caso envolvendo um vendedor paranaense demitido por justa causa ao desenhar uma suástica num papel após ser repreendido por seu chefe, judeu. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, reconheceu a justa causa e frisou que “nas relações de trabalho, não se pune o autor com pena privativa de liberdade”, reconhecendo-se, apenas, “a prática de ato incompatível com a continuidade da relação de emprego”.

É patente que a liberdade de expressão garante aos cidadãos a pluralidade de ideias necessária numa sociedade democrática. Garante que os indivíduos formem e exponham suas ideias, opiniões, crenças, convicções e críticas, contribuindo para a evolução das políticas públicas e das relações sociais em diversos níveis.

Por outro lado, o discurso direcionado a ofender grupos em virtude de particularidades pelas quais foram historicamente oprimidos, constitui muito mais um ataque do que uma opinião, em nada contribuindo para o debate público/político. Logo, tais discursos não são protegidos pelo direito à liberdade de expressão.

Portanto, manifestações que discriminem a etnia, o sexo ou a crença de um indivíduo são inconstitucionais, tendo em vista a proteção garantida pela CF/88 à dignidade da pessoa humana, porque tais discursos depreciam o valor de suas vítimas.

A visão excessivamente formal da liberdade de expressão se mostra insuficiente, uma vez que muito distante das opressões que se reproduzem na vida real. Ao se exigir uma postura unicamente negativa do Estado, as desigualdades presentes na sociedade acabam ignoradas.

Aqui, cabe citar a feliz observação do professor da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, Owen Fiss, em sua obra intitulada A Ironia da Liberdade de Expressão: “Algumas vezes nós devemos reduzir as vozes de alguns para podermos ouvir as vozes de outros”.

Luiza Nicoleti Echeverria é advogada no escritório Romar, Massoni & Lobo Advogados, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e pós-graduanda em Ética e Direitos Humanos pela Faculdade Vicentina (FAVI), de Curitiba-PR.

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