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Cariocas, diz-se, são geralmente carnavalescos, brasileiros são festeiros e o cidadão do mundo movimenta-se na base de eventos. Na realidade, três facetas de uma mesma atitude ativada pelo grande – e talvez único – vetor do mundo moderno: o espetáculo.

A conferência Rio+20, que começará efetivamente nesta segunda-feira na Cidade Maravilhosa, é patrocinada pela Organização das Nações Unidas com o objetivo de enfrentar o pesadelo que mais assusta a humanidade: mudanças climáticas. Mas as reuniões de abril e outubro de 1945, marcando a fundação da ONU em San Francisco; e as primeiras sessões da sua Assembleia Geral em Londres, em janeiro de 1946 – monumentos dedicados ao início da era de convivência internacional –, não tiveram festas nem ­­celebrações. As lembranças do sangrento conflito que se encerrava e os desafios que se apresentavam eram tão angustiantes que não permitiam desvios, delongas, deleites.

Como agora. Porém, neste lapso de 66 anos, além da anulação da hipótese de guerras mundiais, a humanidade desenvolveu outras alternativas ao uso da força: converteu-se numa grande arena, praça pública, mercado – a ágora das cidades gregas –, e adotou um calendário de grandes eventos para exorcizar fantasmas.

A ONU, com suas agências e programas permanentes e consolidados, é, em si, um argumento contra a compulsão dos arroubos festeiros, mas estadistas não resistem aos holofotes; nem o distinto público é capaz de mobilizar-se sem o apoio de lançamentos e promoções espetaculares. A necessidade de planejá-los com grande antecedência esbarra na dinâmica do processo econômico ou político e suas inesperadas situações. Quando a Rio+20 saiu das pranchetas, não se poderia prever que a crise do mercado financeiro americano se tornaria uma gravíssima crise econômica global. Falar em investimentos para o futuro no momento em que só se pensa em curtíssimo prazo é condenar-se ao fracasso.

A ideia de sustentabilidade e economia verde (que em situações normais seria saudada com fervor e entusiasmo) tropeça agora em um sistema engessado pela austeridade e pelo pavor de grandes rupturas. O Brasil, anfitrião da conferência, não conseguiu evitar o vexame de lançar um novo incentivo para a compra de automóveis na véspera de um encontro mundial que condenará a poluição, a queima dos combustíveis fósseis e proclamará a prioridade para os transportes coletivos.

Nossa vocação para o pragmatismo e para o vale-tudo levou a Petrobras a anunciar na quinta-feira, nas preliminares da conferência, um surpreendente plano de negócios que aumenta investimentos na produção de derivados do petróleo – a chamada energia suja – e reduz a criação de fontes de energia renovável, limpa.

É evidente que a decisão foi estudada sob o ponto de vista de rentabilidade, mas sob o ponto de vista político e simbólico foi catastrófica. Convém lembrar que os grandes eventos transcorrem justamente na esfera das subjetividades.

É possível que o estresse imposto ao Rio seja compensado pelas oportunidades que se oferecem à plateia mundial para refletir sobre os perigos do consumismo e do individualismo desvairados. Mas é impossível não reparar na patética exibição de inspiradas atrações cenográficas na beira – ou véspera – de catástrofes ambientais.

Alberto Dines é jornalista.

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