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Atrofia geracional: por que muitos jovens optam pela apatia  

(Foto: Simon Maage/Unsplash)

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Segundo uma crença comum, as gerações mais jovens são sempre mais radicais do que as anteriores – especialmente após a revolução cultural dos anos 60, que reforçou essa percepção. Mas não é isso o que as pesquisas vêm apontando sobre a Geração Z – que agora começa a sair de casa e fazer suas próprias escolhas de vida. Os primeiros dados comportamentais nos despertam para uma tendência que contraria o senso comum e aponta para o surgimento de uma atrofia geracional.

Pesquisas recentes revelam que a Geração Z tem rejeitado, cada vez mais, o consumo de bebida alcoólica, casamento, filhos e dedicação profissional. Desaprovam também a agitação dos corpos em festas lotadas, convívio tumultuoso dos bares e compromisso de uma vida compartilhada. Nos Estados Unidos, a porcentagem de jovens universitários que se abstêm de álcool subiu de 20% para 28% em uma década. No Reino Unido, 26% de pessoas entre 16 e 25 anos se declararam abstêmios em 2019, contra apenas 15% dos mais velhos. A taxa de natalidade entre os mais jovens despenca ano após ano. Além disso, essa geração não encontra satisfação na vida profissional: apenas 43,5% na América Latina diz amar o próprio trabalho – o menor percentual entre todas as gerações.

É preciso resgatar a ideia de que o mundo não é meramente um fardo a ser suportado, mas é a matéria das nossas ações. Nunca foi tão necessário clamar aos quatro cantos que é preciso amar o mundo apaixonadamente. Do contrário, teremos cada vez mais uma geração sem identidade, sem voz, sem rastro no tempo

Alguns olham para essas tendências e cogitam que elas são o indicativo de uma geração mais altruísta e austera. Mas há algo de errado nessa leitura. O que parece virtude, não passa de atrofia. Esses dados expõem uma geração de jovens que não se dedica, não se enraíza e não quer nem mesmo imaginar o próprio futuro.

Sei disso pela lembrança viva da minha própria geração quando jovem. Cresci na região de Porto Alegre entre 2005 e 2015, um tempo de efervescência cultural. Havia muitas bandas, muitos artistas e muita gente querendo produzir cultura e arte. Era um período de explosões criativas, de noites intermináveis em bares onde se discutia música, cinema, política etc. Criávamos nossos próprios projetos artísticos, montávamos bandas, fundávamos coletivos de arte, publicávamos zines de fotografia hipster. Havia um desejo genuíno de expressão, um impulso de transformar o mundo ao nosso redor.

Mesmo em um período historicamente marcado pela globalização e pelas influências externas, vivíamos um tempo tão intenso que era possível consumir apenas a cultura local e sentir-se plenamente alimentado. Esse espírito de criação marcou minha juventude e segue comigo até hoje. Ficou claro para mim desde cedo que ou criamos o ambiente em que queremos viver ou seremos apenas espectadores daquilo que nos impõem.

Foi justamente esse desejo de construção e criação que me levou ao encontro com o catolicismo. A princípio, parecia uma contradição: quase todos os meus amigos daquela época eram de esquerda, profundamente secularizados, distantes de qualquer experiência religiosa. Mas, para mim, foi um caminho natural. Descobrir a fé não foi um gesto de passividade, mas de ação. Não foi um refúgio, mas um chamado. Encontrei uma verdade viva e quis propagá-la. Se antes eu queria transformar o mundo com arte, depois entendi que a transformação mais profunda só ocorre quando tocamos a alma humana. Não abandonei aquele espírito de juventude – ao contrário, radicalizei-o. Continuo acreditando que o mundo só muda quando nos dispomos a agir.

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Diante disso, há quem diga que nossos jovens, a Geração Z é menos impulsiva, menos inconsequente, menos irresponsável. E, sim, talvez seja tudo isso. Mas o que acontece quando a impulsividade é substituída não por sabedoria, mas por hesitação? Quando a irresponsabilidade dá lugar não à maturidade, mas ao medo? O problema da Geração Z não é a prudência, mas a paralisia. Essa é uma geração que não age. Que não se arrisca. Que não se compromete.

Falta aos jovens da Geração Z a coragem de querer ser. E nem tudo disso é culpa deles, pois as novas tecnologias e toda a cultura do entretenimento criam a pintura de um mundo sem sentido, um futuro catastrófico, uma realidade deprimente. Dizem-lhes insistentemente que nada vale a pena. E eles acreditam nisso, coitados. Por isso, é preciso resgatar a ideia de que o mundo não é meramente um fardo a ser suportado, mas é a matéria das nossas ações. Nunca foi tão necessário clamar aos quatro cantos que é preciso amar o mundo apaixonadamente. Do contrário, teremos cada vez mais uma geração sem identidade, sem voz, sem rastro no tempo. Não a geração mais altruísta, mas a mais inóspita. E assim, corremos o risco de ver concretizada aquela melancólica premonição no verso de Manuel Bandeira: "A vida inteira que podia ter sido e que não foi".

Matheus Bazzo é fundador da Lumine e da Minha Biblioteca Católica.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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