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Diante da divulgação do último mapa da violência, no início do mês, temos a notícia do aumento do número de homicídios de mulheres no país e o Paraná aparece em 3.º lugar no ranking nacional. A preocupante notícia também tem suscitado muitos comentários de autoridades, militantes e pessoas do mundo acadêmico. Entre esses comentários, cabe destacar mais uma vez aquele realizado pelo delegado Rubens Recalcatti, chefe da delegacia de homicídios de Curitiba, que atribui o aumento dos femicídios ao fato "das mulheres passaram a frequentar o mundo das drogas e a se relacionar com pessoas erradas. Elas queriam direitos iguais e, quando os conquistaram, não souberam o que fazer." E ainda complementa dizendo que elas, as mulheres, "precisam saber com quem se envolvem, que tipo de pessoas encontram em baladas."

Tais alegações recaem numa série de erros e acabam reproduzindo pontos de vista equivocados e machistas. O primeiro, e mais gritante deles, é a crença de que o aumento dos homicídios estaria relacionado ao fato das mulheres terem ampliado sua frequência nos espaços públicos. Os próprios índices mostram que os homicídios não estão ocorrendo porque a mulher está na "balada" ou porque está frequentando o mundo das drogas, pois seu principal algoz está dentro da sua própria casa e é seu companheiro.

O delegado parece sugerir que a frequência do espaço público deveria ser evitada, assim as mulheres poderiam estar a salvo. A luta pelos direitos iguais só serviu para vitimiza-las, ou seja, estariam seguras se se recolhessem aos muros do espaço privado, a vida pública é feita para homens!

Há pesquisas sobre o tema, com análises bem mais aprofundadas, como a realizada pelo sociólogo Anthony Giddens no seu imperdível livro A Transformação da Intimidade. Giddens aponta que a violência contra a mulher está relacionada ao fato de que na modernidade, as mulheres têm progressivamente se recusado a cooperar com a dominação masculina sobre elas, dominação esta que se fez intensamente presente no modelo de família patriarcal. Diante do declínio desse modelo e da gradativa emancipação feminina, a violência contra as mulheres apareceria como principal esteio de controle utilizado pelos homens. Para Giddens, na atualidade, a violência contra a mulher estaria mais relacionada à insegurança e possíveis desajustamentos emocionais e afetivos dos homens diante de um novo modelo de relação, no qual os papéis precisam ser negociados e não impostos. Assim, a violência seria uma resposta destrutiva diante do declínio da cumplicidade feminina com esse antigo modelo. Isso leva muitas vezes os homens a serem mais violentos com as mulheres do que entre si, salvo situações de guerra.

É verdade que a aquisição de direitos e espaços por parte das mulheres as têm colocado numa posição bastante ameaçadora para o universo masculino, que não mais encontra um mundo no qual a autoridade se assente exclusivamente numa ordem fálica. Porém é importante pensar que a solução não seria a volta ao antigo modelo, no qual a posição feminina era de submissão e passividade diante de um mundo simbolicamente dominado pelo masculino – embora os estudos de gênero já tenham apontado as inúmeras estratégias femininas para lidar com essa dominação ao longo da história, não se trataria de uma passividade, ela seria apenas aparente.

Diante dos dados recentes sobre a violência contra a mulher, é importante uma reorganização dos papéis masculinos e femininos à luz de processos mais dialógicos, negociados e não mais impostos através da violência.

Joyce K. Pescarolo, psicóloga, mestre em Sociologia e doutoranda em Sociologia pela UFPR, é pesquisadora do Centro de Estudos em Direitos Humanos (CESPDH) da UFPR e psicóloga Educacional do Instituto de Educação para a Não Violência.

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