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| Foto: Lluis Gene/AFP

A lei internacional e a Organização das Nações Unidas garantem o princípio de igualdade de direitos e igualdade de oportunidades para uma região geográfica da Terra escolher o seu status de soberania junto à comunidade internacional. Como parte do Estado espanhol desde o século 15, a Catalunha tem certo grau de autonomia, mas sem autodeterminação completa. Há liberdade tributária e de execução de políticas públicas (educação, saúde, polícia, promoção comercial), sem o direito de representação diplomática, nem de forças armadas próprias.

Com 7,5 milhões de habitantes – um pouco menos do que Santa Catarina e o dobro do Espírito Santo – e 16% do total da Espanha, a região tem idioma próprio, mais de mil anos de tradição e uma forte identidade cultural. Sendo a mais industrializada e mais rica região do reinado, a Catalunha tem alta produtividade econômica e contabiliza quase um quinto do PIB espanhol. Barcelona foi exemplar nos Jogos Olímpicos de 1992 e é referência em feiras internacionais, preferida no turismo e admirada no futebol. A pujança econômica e a percepção de que pagam elevados tributos ao governo central e recebem pouco em troca dão aos regionalistas das terras de Gaudí e de Dalí a confiança necessária para a busca da autodeterminação. O referendo de 1.º de outubro e a marcha de 1 milhão de catalães em 11 de outubro chamaram a atenção do mundo.

O impasse catalão parece ser um procedimento a ser tratado com o bisturi e não com o machado, como disse um líder espanhol

Um impasse, contudo, de consequências imprevisíveis se aglomera. Invocando o artigo 155 da atual Constituição espanhola, Madri exige que os líderes catalães renunciem à vontade de independência completa. A vergonhosa truculência no dia do referendo por meio de destruição de urnas, retirada de sites da internet e brutalidade policial que feriu quase mil pessoas, somada agora à suspensão do governo autônomo para agendar novas eleições, mostra aos catalães e ao mundo uma Espanha nada europeia e nem tanto democrática. Madri reluta em ver uma república desmembrada do regime monárquico, que solidificaria a imagem de uma Espanha fraca na construção de uma sociedade coesa e incapaz de oferecer oportunidades econômicas para todos, principalmente jovens.

A União Europeia e líderes mundiais invocam a Constituição e a soberania interna da Espanha e recomendam o diálogo. O movimento da Catalunha alimentaria mais desejos separatistas e de autodeterminação em outras regiões da Terra com implicações geopolíticas: na Bélgica bipolar, na Rússia com incontáveis casos, na China com sua islâmica Urumqi, nas Filipinas com sua Mindanau, no Curdistão que preocupa o Iraque, Turquia e Irã. Poderia também realimentar os desejos do Saara Ocidental no Marrocos, de Chiapas no México e de movimentos na República Democrática do Congo. A própria Espanha sofreria pressão para devolver Ceuta para o Marrocos e o Reino Unido, a devolver Gibraltar para a Espanha. O efeito maior, contudo, seria na Ucrânia, onde possíveis repúblicas de Donetsk e de Lugansk colocariam a Rússia em choque com a Europa e os Estados Unidos, tendo implicações de geopolítica global nuclear.

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Isso evidencia que, longe de gozar da liberdade plena em cada metro quadrado da Terra, a vontade das pessoas e de um povo às vezes é sacrificada em prol do modelo político, econômico e ideológico em outras partes do planeta.

O Estado espanhol é composto por quatro áreas bem distintas (Catalunha, Galícia, Madri e País Basco) e por 17 regiões autônomas. O impasse catalão parece ser um procedimento a ser tratado com o bisturi e não com o machado, como disse um líder espanhol. O caminho mais pacífico é a negociação e a reforma constitucional, mas sem perder jamais o respeito à liberdade individual, à identidade regional, a vontade das urnas e a capacidade de um povo para a sua autodeterminação.

Masimo Della Justina é professor de Geopolítica da PUCPR.
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