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Pegando emprestado como provocação o bordão que ficou famoso na política americana, não tenho dúvida de que os maiores desafios a serem enfrentados pelas empresas e tecnologias disruptivas virão do mundo jurídico e sua regulação. Infelizmente, entretanto, parece que poucos estão percebendo isso da maneira devida, e menos ainda são os movimentos organizados que já existem para reduzir ou eliminar essas barreiras, tanto fora quanto dentro das instituições jurídicas.

A cada dia fica mais evidente que o avanço das novas tecnologias sob a chamada economia tradicional é algo inevitável. Um bom exemplo disso é que, de um modo geral, a discussão não está mais em se tal tecnologia chegará, mas em quando ela ocorrerá. Podemos discutir quando e como alguns eventos ocorrerão, mas que eles ocorrerão parece haver já um bom consenso. Considerando o volume de capital que está e será cada vez mais destinado à inovação nos mais variados setores empresariais, é inevitável que muitas tecnologias disruptivas e exponencias sejam criadas. Veículos autônomos? Drones para entregas comerciais? Robôs em atividades antes inexploradas? São fatos que ocorrerão, não mais meras suposições.

Para cada nova tecnologia criada e consolidada existirá a necessidade de se desenvolver um conjunto de soluções jurídicas viáveis

Assumida essa premissa, de que essas tecnologias inevitavelmente serão criadas, de onde virão as barreiras ao seu desenvolvimento e implantação? Ou, como utilizado no jargão tecnológico, onde estará o maior risco de fricção? No mundo jurídico e sua regulação. Novamente, “é o Direito, estúpido!”. Vejamos, como exemplo, o sistema de aplicativos de transporte de passageiros: a plataforma que viabiliza a existência desse serviço está consolidada por vários players. É um fato mais do que estabelecido, sob o aspecto tecnológico. Quais as barreiras hoje existentes? Discussões de regulação por entes municipais, a natureza do vínculo contratual estabelecida entre motorista e a empresa, responsabilidade civil em caso de acidentes e crimes, dentre outros. Os desafios são muito mais de ordem regulatória do que propriamente tecnológica.

Imaginemos, agora, que em um próximo estágio os drones para entregas comerciais virem uma realidade em massa, ou mesmo que se viabilizem tecnologicamente drones aptos ao transporte de pessoas. Em um cenário assim, serão tantas e diversas as barreiras jurídico-regulatórias a serem superadas, que fica até difícil listar os problemas a serem resolvidos: teremos um código de trânsito aéreo? De quem será a responsabilidade em caso de acidente? Da empresa que fez o software? E, se ele for criado em uma plataforma aberta, colaborativa? Será a responsabilidade do fabricante do equipamento, ou da empresa que o adquire e o loca a terceiros? Em resumo, para cada nova tecnologia criada e consolidada existirá, automática e concomitantemente, a necessidade de se desenvolver um conjunto de soluções jurídicas aptas a viabilizar a sua implantação no mundo real.

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Nesse cenário, o que é urgente a ser feito? É vital que o conjunto das empresas de tecnologia perceba a realidade destes desafios, e crie já estratégias para diminuir a fricção que estará ali na frente. Todos lembram do depoimento de um importante empresário de tecnologia ao Congresso Americano, neste ano, e do constrangedor nível de desconhecimento dos parlamentares sobre o assunto em pauta. Deixando de lado a parte jocosa, a pergunta que fica é: será que a empresa não sabia que aquele era o perfil dos reguladores? Será que houve a adequada preparação para lidar com aquele tipo de público? Goste-se ou não, muitos dos temas vitais para o crescimento das empresas de tecnologia estão, sim, na mão de pessoas que, à medida que a complexidade aumenta, cada vez mais entendem menos sobre esse assunto.

Como será possível melhorar essa realidade, aproximando esses mundos tão distintos? Talvez começando pelo básico, pela genuína tentativa de aproximar os operadores do Direito, especialmente magistrados e julgadores em geral, das características específicas desse novo mundo tecnológico. Explicar, mostrar, ensinar. E ensinar de novo e mostrar de novo. Quanto maior o desconhecimento sobre o assunto, maior a suscetibilidade a que se decida com base em mitos e fantasmas. Pode ser fácil criticar um julgador que analisa um caso específico e demonstra, em sua decisão, um vergonhoso desconhecimento do ambiente tecnológico. Fácil, sim, mas sem dúvida pouco eficaz. A questão importante, e que desejo aqui por fim enfatizar, é: o que a empresa fez para que aquele julgador tivesse maior familiaridade com aquela tecnologia? O que foi e está sendo feito, hoje, para ajudar a reduzir esse grande gap sobre um futuro que já chegou e uma realidade que ainda persistirá por um bom tempo? São reflexões e perguntas que estão aí para serem respondidas.

Rafael Bicca Machado é advogado.
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