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O 72º Esquadrão de Teste e Avaliação dos Estados Unidos faz experimentos com uma bomba B61-12 desarmada, que pode ser equipada com uma ogiva nuclear
O 72º Esquadrão de Teste e Avaliação dos Estados Unidos faz experimentos com uma bomba B61-12 desarmada, que pode ser equipada com uma ogiva nuclear| Foto: Airman 1st Class Devan Halstead/U.S. Air Force

Nas últimas semanas, temos acompanhado nos vários meios de comunicação notícias a respeito de uma nova arma nuclear nos EUA, a B61-13. O governo Biden tem buscado apoio do Congresso norte americano para a liberação de verba específica para que os EUA a produzam em futuro ainda não definido. O que sobressai nas manchetes é a energia liberada por ela, de 360 kt,onde 1 kt (quiloton) é igual a 1000 toneladas de TNT, um poderoso explosivo convencional. O valor da energia associado a esta nova arma é pouco mais de 24 vezes superior à bomba atômica lançada sobre Hiroshima em 1945.

Após 78 anos das imagens e relatos sobre a tragédia de Hiroshima (e de Nagasaki também), tal poder de destruição de um único artefato explosivo é, para dizer o mínimo, desanimador, frustrando as nossas expectativas de futuro mais pacífico. Mas, afinal, a introdução dessa arma nuclear ao arsenal norte americano justifica tamanho destaque?

A indústria bélica nuclear conseguiu há muito tempo, inserir a tecnologia de bombas de fusão, associadas a enormes mísseis semelhantes a foguetes.

Se formos levar em consideração somente a energia liberada pela B61-13, ela não é das mais poderosas. Como resultado de vários tratados de controle sobre armas nucleares (colocar link), os EUA e a Rússia têm atuado ao longo do tempo no desmantelamento de parte de seus arsenais de armas de alta potência, em especial as armas chamadas de termonucleares, equivalentes a 100 vezes ou mais à bomba lançada sobre Hiroshima.

A razão da eliminação parcial dessas armas nucleares teve uma motivação funcional também: elas são bastante pesadas, volumosas e dependentes dos enormes bombardeiros B-52H ou das bases de lançamento de foguetes, tais como os ICBM’s (Míssil Balístico Intercontinental), de toneladas em massa, semelhantes a foguetes, com alcance de 5 a 10 mil quilômetros. Embora amedrontadores, os ICBM’s estão mais sujeitos de sofrerem interceptação inimiga, principalmente depois do desenvolvimento de mísseis hipersônicos, que podem destruí-los antes de serem detonados.

A decisão de desenvolvimento de armas nucleares como a B61-13 e, em verdade, da série B61, cujo projeto iniciou no ano de 1961, teve como estímulo a possível instalação desses artefatos em veículos móveis, marítimos, terrestres e veículos aéreos, principalmenteem caças supersônicos, como o F35-A e bombardeiros como o B-2, capazes de realizar ataques ao campo inimigo num intervalo de tempo muito menor do que mísseis lançados a partir de porta-aviões ou de bases de lançamento do país de origem.

Os mísseis B61 têm poder explosivo que varia de 0,3 kt a 400 kt, e são classificados de armas nucleares táticas (0,1 a 9 kt), designadas para impor uma rendição das forças armadas inimigas pela intimidação nuclear e deestratégicas (acima de 9 kt), cujo objetivo seria a destruição parcial ou total do inimigo. É importante salientar que devido ao crescente poder explosivo das armas nucleares depois da 2ª Guerra Mundial, com o passar das décadas se criou certa nebulosidade no que diz respeito à faixa de energia que uma arma nuclear teria de liberar para ser classificada como tática. Isso levou a uma “flexibilização” informal, onde uma bomba atômica pouco inferior à de Hiroshima pode ser considerada uma arma “apenas” para forçar uma rendição. Por exemplo, a B61-4 e a B61-12 são classificadas como táticas, com energias nominais entre 0,3 e 50 kt, enquanto a B61-1 e a B61-9, são estratégicas, com energias nominais entre 10 e 300 kt.

Mais de uma dezena de versões B61 foramprojetadas e/ou produzidas até o momento, sendo que a última, a B61-12, teve sua aprovação no 2º mandato do governo Obama, em 2014. Na nomenclatura destas armas nucleares, a letra B significa que essas bombas têm seu lançamento sujeito à ação da gravidade e 61 foi o ano em que a marinha e a aeronáutica norte americanas sugerirama produção destas armas mais leves e versáteis em relação ao largo espectrode energia liberada. As várias versões até agora produzidas tiveram modificações e inovações relacionadas à energia nominal, ao alto explosivo utilizado para a implosão do combustível nuclear (mais resistente a altas temperaturas e a decomposição química), alterações no peso, melhora da performance por ajustes na aerodinâmica, na acomodação desses artefatos na parte externa de aviões supersônicos e na penetrabilidade dos mísseis em abrigos subterrâneos (os bunkers).

O projeto do modelo B61-13 tem todas estas inovações. A penetrabilidade será a mesma de sua antecessora, a B61-12, para solos macios e utilizará a cauda guiada deste mesmo modelo, que permite melhor precisão ao ser direcionado ao alvo. Além disso, utilizará a mesma ogiva nuclear do modelo B61-7, de 2016: de 10 a 360 kt, sendo esse máximo o responsável pelarepercussão na mídia.

Talvez a “novidade” da B61-13, para um público que não acompanha este tipo de conteúdo, seja o fato de que todos os artefatos B61, de média e de alta energia, sejam termonucleares. Ou seja, a indústria bélica nuclear conseguiu há muito tempo, inserir a tecnologia de bombas de fusão, associadas a enormes mísseis semelhantes a foguetes, num invólucro de míssil com massa e dimensões aproximadas de 350 a 500 kg, 3,2 m de comprimento e 33 cm de diâmetro. Vale lembrar que a bomba atômica lançada sobre Hiroshima (a Little Boy) tinha 4400 kg, mais de 3m de comprimento e 71 cm de diâmetro. Para confirmar como o avanço tecnológico reduziu as dimensões desses artefatos, a razão quiloton por quilograma destas armas nucleares, será de aproximadamente 0,9 kt/kg na B61-13, enquanto na Little Boy foi de 0,003 kt/kg.

Assim como a maioria das armas nucleares do arsenal norte americano e de vários outros países detentores desses artefatos, a detonação de uma arma termonuclear ocorre em dois estágios: o primário, que é a explosão de uma quantidade de material físsil (plutônio ou urânio), a qual fornece energia suficiente para a ignição do secundário, que corresponde a fusão nuclear de elementos leves (deutério, trítio), principal responsável pela grande quantidade da energia liberada nos modelos de armas dessa natureza.

Portanto, embora a versão desta nova arma nuclear seja ameaçadora (assim como os demais modelos B61), os meios de comunicação a destacaram pelo seu valor máximo nominal, de 360 kt, quando na verdade, a razão para isso está associada ao fato de os EUA estarem indiretamente envolvidos em dois conflitos complexos. Em 2014, quando a Rússia anexou a região da Crimeia à Federação Russa, os EUA possuíam a versão mais poderosa das B61, a modelo 11 de 400 kt, produzida desde 1997, mas como os EUA não interferiram militarmente no conflito, essa arma não ganhou notoriedade. Agradeço a Hans M. Kristensen, pesquisador sênior de agências internacionais de políticas bélicas nucleares e colaborador do Bulletin of the Atomic Scientists, pelas informações técnicas que compartilhamos sobre o tema.

Dinis Gomes Traghetta é professor substituto no Departamento de Física da UTFPR – câmpus Medianeira e autor do livro “A Bomba Atômica Revelada”, finalista do Prêmio Jabuti de 2014.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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