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 | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

No último dia 4, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Esvaziando parte do conteúdo obrigatório do ensino médio, o intuito do Conselho Nacional de Educação é, com a nova BNCC, otimizar o aprofundamento das disciplinas e conteúdo diretamente ligados ao mercado de trabalho e às futuras carreiras dos estudantes. A previsão é que o documento seja aprovado ainda em 2018 pelo Ministério da Educação (MEC) e que seja implementado no primeiro ano letivo após a publicação da BNCC.

No modelo atual de ensino médio que temos, os estudantes seguem uma mesma base de conteúdo até o vestibular, sendo somente na graduação direcionados para as carreiras que pretendem seguir. Com a implementação da BNCC, na teoria, isso significará um ensino médio mais próximo do modelo de ensino profissionalizante que já existe em algumas instituições. Como professor de matemática, perdi as contas de quantas vezes tive de responder à pergunta: “Professor, onde vou utilizar números e fórmulas em minha carreira como jornalista”, por exemplo.

É fato que o conteúdo comum deve estar focado no que é importante para todos. Apenas português e matemática tem carga horária estabelecida pela base, apesar de o MEC garantir que disciplinas como educação física, arte, sociologia e filosofia estão obrigatoriamente previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Art. 35-A, § 2°). Entretanto, quando consideramos o campo prático, existem alguns pontos que devem ser considerados e brechas que esperamos que sejam melhor discutidas.

A liberdade das instituições em como distribuir os conteúdos pelos três anos do ensino médio pode não ser uma boa medida

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deverá acompanhar o BNCC e apenas considerar para a avaliação os 60% de conteúdo comum previsto na base. Caso apareça no exame algum conteúdo que está fora disso, a medida perderá força e a tendência será que o vestibular guie o conteúdo que o aluno irá concentrar os estudos.

Conhecimento é uma coisa só. Para sermos mais didáticos separávamos ele em disciplinas e agora estamos tentando separá-lo em áreas de conhecimento. Os dois formatos funcionam, mas enquanto formarmos professores separando por disciplinas e exigirmos que ele ensine por áreas de conhecimento, teremos dificuldades visíveis.

A parte flexível me fascina. É onde conseguimos trabalhar a individualidade dos alunos. O problema é que a viabilidade financeira da educação tradicional parte da premissa dos custos estarem divididos entre os estudantes da turma. Imagine que 30 alunos do ensino médio se interessem pela turma de gastronomia. O colégio formará essa turma. Mas e se a adesão for menor e apenas 3 tiverem interesse? Ou o colégio irá ignorar as áreas de interesse de pequena demanda ou utilizará ferramentas digitais que conseguem ser viáveis por dividirem seus custos por alunos em todo país, comprometendo a qualidade de ensino.

Leia também: Não à BNCC totalitária (artigo de Anamaria Camargo, publicado em 2 de julho de 2018)

Leia também: A BNCC é legítima e permite futuros avanços (artigo de Celso Augusto Souza de Oliveira, publicado em 15 de agosto de 2016)

A liberdade das instituições em como distribuir os conteúdos pelos três anos do ensino médio pode não ser uma boa medida. Primeiro, porque pode deixar o aluno um ano inteiro afastado de uma disciplina e pode ser que ele sinta dificuldade ao retomá-la no ano seguinte. E segundo, se por ventura o estudante não fizer todo o ensino médio em uma mesma instituição, ele pode deixar de ter contato com importantes conteúdos. Imagine a situação de um aluno que iria estudar tabela periódica no 2.° ano mas muda para uma escola onde os colegas estudaram isso no 1.º ano?

Não menos importante, o último ponto a ser considerado é o poder de fiscalização. Aqui existe um conflito. Se por um lado a flexibilidade possibilita chegarmos mais perto das necessidades individuais por outro lado ela é menos fiscalizável. Como cada instituição terá autonomia, perderemos o efeito comparativo entre instituições e de certa forma estamos acreditando na capacidade de cada uma delas de gerir a sua parte de conteúdo flexível.

Sem mais delongas, apesar de a medida ter sido desenvolvida a fim de diminuir a abstenção e aumentar o interesse dos nossos jovens pela educação oferecida na escola, muitos pontos ainda devem ser melhor esclarecidos. O abismo entre o ensino público e o privado não pode ser aumentado. Todas as brechas, que não são poucas, observadas por profissionais que atuam na educação do Brasil precisam ser consideradas.

Marcio Dornellas é professor de Matemática, fundador do Intellectus e da plataforma Descomplica.
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