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A direita e a esquerda no Brasil vivem, nas redes sociais, uma verdadeira “batalha de algoritmos”, onde constrangimentos públicos, ataques, ironia e até mesmo celebração da dor alheia se tornam virais – e mobilizam multidões digitais. Em setembro, mês da Independência, a polarização política escancarou, mais uma vez, que a racionalidade cedeu lugar à lógica da indignação em série. A recente repercussão dos acenos de Donald Trump em seu discurso na ONU, carregada de precipitações e conclusões imediatas, ilustram bem esse tom. Já as convocações para manifestações, de ambos os lados, não se esgotaram nas ruas. E funcionaram como combustíveis para debates tóxicos e polarizados, potencializados pelas plataformas.
Um levantamento do Centro de Estudos de Marketing Digital da FGV/EAESP mostra que entre 5 e 7 de setembro, quando a direita ocupou as ruas com apoio de lideranças como Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro, as redes explodiram: 568 mil menções, elevando termos como "Avenida Paulista", "Alexandre de Moraes" e o próprio Tarcísio — esse último, já projetado como presidenciável. Os dados mostram uma prevalência de homens (61%) no engajamento digital, e um panorama emocional dicotômico: alegria pelo senso de pertencimento e tristeza pelo “autoritarismo do STF”.
O pluralismo e a tolerância pelo dissenso, a discordância pacífica, valor democrático fundamental, sucumbe se aceitarmos que trending topics substituem a praça pública e que denúncias indignadas valem mais do que o debate argumentativo
Por sua vez, a resposta da esquerda veio poucos dias depois, com as manifestações contra a PEC da Anistia (entre 19 e 21 de setembro), com 433 mil menções — 23% menos do que o movimento à direita —, mas com maior diversidade de autores e equilíbrio de gênero (46% mulheres, 54% homens), sugerindo dinâmicas diferentes de articulação. A emoção dominante nesse caso foi o nojo (5%), sobretudo pelo debate sobre a PEC da Anistia, acusada de abuso institucional, e alegria (13%) pela mobilização.
O caráter viral desses debates polarizados pouco tem a ver com "lados". O que as pesquisas acadêmicas mostram é que os algoritmos não discriminam filiação política, mas premiam conteúdos altamente emocionais e divisivos, com potencial de engajamento e conflito. A chamada “tribalização algorítmica” não fortalece apenas bolhas políticas — ela transforma o dissenso em espetáculo, e o contraditório em ameaça existencial.
Nate Silver define bem essa lógica ao falar sobre "blueskyism", um tipo de criação de “grupinho exclusivo” da esquerda da rede social BlueSky, pautado pela patrulha digital, o credencialismo, o catastrofismo — elementos que, a rigor, não pertencem só à esquerda nem à direita. Décadas de pesquisa sobre exclusão digital comprovam: a lógica algorítmica é neutra na tecnologia, mas profundamente enviesada nos efeitos. Busca rentabilizar a indignação, não a convivência. Por isso, vemos a naturalização da intolerância e a desumanização do oponente, seja comemorando o fracasso de um lado ou rechaçando a simples existência do outro.
Associar virtudes éticas ou morais exclusivamente a um campo político (“a esquerda é do amor” ou “a direita é da ordem”) é ingênuo - e perigosamente simplista. O espaço democrático nasce do conflito civilizado e da escuta do adversário, não da homogeneização das perspectivas nem do cancelamento virtual. Celebrar a exclusão ou o silêncio do outro, por mais “radical” que seja, é o avesso da democracia.
A verdadeira tragédia não é só a bolha, mas o fim dos espaços comuns. A polarização não nasceu nos algoritmos, mas foi amplificada a ponto de tomarmos militantes digitais pelo país real. O pluralismo e a tolerância pelo dissenso, a discordância pacífica, valor democrático fundamental, sucumbe se aceitarmos que trending topics substituem a praça pública e que denúncias indignadas valem mais do que o debate argumentativo.
É tempo de resgatar Voltaire: defender até a morte o direito de discordar, e defender a presença do adversário no espaço comum. A saída para o Brasil digital não está em “ganhar” a guerra dos algoritmos polarizados, mas em reencontrar práticas de civilidade, escuta estruturada e respeito ao pluralismo. Afinal, se a democracia é um campo de batalhas, que seja de ideias, não de algoritmos.
Lilian Carvalho é PhD em Marketing, professora da FGV/EAESP e coordenadora do Centro de Estudos em Marketing Digital.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos



