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O novo ministro da Fazenda Guido Mantega começou acertando na substância e errando na forma. Deixou bem claro que tem posição contrária à taxa de juros atualmente praticada no Brasil ao defender uma caminhada em direção a "taxas civilizadas". Se o novo mandarim da política monetária e financeira não fizer como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que pediu que esquecessem o que ele havia escrito no passado, continuará a defender políticas inequivocamente desenvolvimentistas. Mas na forma mostrou-se ou um ingênuo ou um temerário. Se gostar de história deveria se lembrar da frase de Winston Churchill a respeito da dissimulação: "Na guerra, a verdade é um bem tão precioso que tem de ser protegida por um corpo de guarda-costas de mentiras"; e se gostar de provérbios populares, não poderia esquecer que há certos assuntos em que se deve agir da mesma maneira como o porco-espinho faz amor com a porca-espinho: com muito, muito cuidado...

A reação às primeiras declarações do ministro não tardaram e o "mercado" se ouriçou todo (coerentemente com a metáfora do porco-espinho). O risco Brasil subiu, os juros futuros idem e o dólar deu uma leve empinada. Mas a perturbação foi e será passageira pois salta aos olhos do observador mais desatento que a política de juros, até agora obedecida como dogma, não é sustentável. Assim, em pouco tempo a excitação já esfriou e o "mercado" já deu sinais de que suas mãos estão abarrotadas de anéis que podem ser perdidos antes que o Brasil possa deixar de ser um paraíso para os investidores locais e externos.

O ministro Antônio Palocci prestou um enorme serviço ao país no campo da condução da política econômica e financeira do governo federal e é pena que fatores que nada têm a ver com sua habilidade à frente de um ministério tão ingrato (mas que comprometeram irremediavelmente sua reputação) o fizessem cair. Em três anos, matou a retomada inflacionária que havíamos herdado de Fernando Henrique Cardoso, reequilibrou as contas externas, acumulou saudáveis reservas internacionais, liquidou alguns passivos incômodos como o contrato com o FMI (com ele a nossa obrigação de obediência ao Fundo) e manteve a austeridade da balança fiscal. No entanto, esses acertos não poderiam ser absolutos e definitivos: a política de juros elevados para manter a inflação sob controle agiu como um poderoso quimioterápico para o câncer do descontrole dos preços (com a devida licença do meu consultor em assuntos oncológicos, mestre Ricardo Pasquini), mas, como todo quimioterápico poderoso, destruiu muitos tecidos saudáveis e debilitou o paciente, mantendo-o em persistente anemia. A política de juros contaminou o sistema de câmbio flutuante e a façanha inédita, que foi construir gigantescos saldos comerciais com o dólar em níveis baixíssimos, se transformou em uma bomba-relógio para setores altamente geradores de emprego num momento em que o país mais precisa deles; o superávit primário, que o ministro Palocci administrou a ferro e fogo, restaurou a credibilidade no governo ao afastar a idéia da gastança irresponsável do governo petista, mas privou áreas cruciais de infra-estrutura econômica e social de investimentos essenciais e inadiáveis.

Assim, o ministro Mantega assume em condições extremamente favoráveis: não tem o FMI fungando em seu cangote e impondo-lhe limitações e restrições; nem um processo inflacionário em aceleração; muito menos uma crise cambial, à qual Mário Henrique Simonsen atribuía um efeito letal (a inflação aleija mas a crise cambial mata, dizia ele). E no cenário internacional, as condições não poderiam ser melhores: a economia americana aquecendo, a China superaquecida e o Japão saindo do marasmo, a Europa pouco a pouco realinhando sua economia e fugindo da estagnação dos últimos tempos.

Basta se lembrar de Winston Churchil e dos porcos-espinhos.

P.S.: Elogio em boca própria é vitupério, mas os pacientes leitores desta coluna se lembrarão de meu ceticismo em relação às políticas do presidente Kirchner que tanto encantaram alguns de nossos "especialistas" e políticos. Já começou tudo de novo na Argentina: inflação em alta, controle de preços, "acordos" setoriais, contingenciamento de exportações de carne para garantir a oferta interna do produto, acusações de falta de patriotismo aos empresários, o cardápio habitual. Que preguiça...

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da UniFAE.

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