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pesquisas eleitorais
Câmara tem PL que cria um novo Código Eleitoral.| Foto: Antonio Augusto/TSE

Fernando Henrique Cardoso votaria em Lula, em um eventual segundo turno em 2022? Os eleitores de João Doria, caso este não atinja o segundo turno, iriam com Bolsonaro, absolvendo-o de todos os intempestivos ou retóricos discursos? Haverá a consolidação de uma terceira via, como diriam os modernos outsiders?

Se as dúvidas movem o mundo, no Brasil elas fervilham à medida que as eleições ganham robustez na mídia e nas ruas. Como ponto de partida para este breve ensaio, proponho o pensamento kantiano, que estabelece uma distinção entre os fenômenos e a coisa-em-si (noumenon), isto é, entre o que nos aparece e o que existiria em si mesmo.

A fenomenologia da conjuntura política nacional estaria baseada em contingências, meras hipóteses, em articulações de bastidores e limitações retóricas que pouco acrescentam à agenda programática das pautas basilares da federação.

Se me permite o leitor, voltemos ao tempo em que o dualismo quase místico e com discurso maniqueísta, por vezes niilista, das disputas ideológicas entre tucanos e petistas irrompia em universidades, igrejas, ruas, bairros e movimentos sociais, sempre em busca da perpetuidade de um establishment que hegemonizasse um partido no poder.

A década de 90 presenciou duas eleições tucanas, em primeiro turno, em oposição ao “marxismo” mal explicado às camadas mais populares. No entanto, a concentração de poder nas mãos do capital especulativo e o distanciamento em relação à população mais vulnerável levou o país ao advento de uma oposição menos “vermelha”, mais “paz e amor”, em que Lula, outrora derrotado, ascendeu, graças à inação de políticas públicas do PSDB.

Entrementes, a história dos anos petistas foi contada e recontada inúmeras vezes e por diversas vozes. E é aqui que surge o fenômeno Jair Messias Bolsonaro, fruto do antipetismo e da flagrante cooptação de empresas públicas ao jogo político promovida pelo PT. Com o intuito de se perenizar no poder, o Partido dos Trabalhadores deu voz e vez ao bolsonarismo.

Definamos, para fins didáticos, o termo “bolsonarismo”. Para Schopenhauer, o mundo tem duas realidades: o objeto e o sujeito. O objeto foi movido pela constante suíte da mídia em relação aos desmandos do PT, alavancando enorme vitrine de casos de corrupção. O sujeito, por sua vez, teve sua exploração nas pautas comportamentais, valendo-se, em Bolsonaro, da figura da personalização do bem e do Messias.

Não obstante, a oposição trafega por caminho tortuoso, ao medir forças pelo meio quantitativo nas ruas, sem que haja um conteúdo programático nas reivindicações, a não ser somente a acusação de “genocídio”, que não servirá para adesão de novos adeptos. Sob esse ponto de vista, ao lançarem mão de trocas de farpas e discursos inflamados, apaixonados – patologicamente – e vazios de argumentos, quer sejam acusações de fascismo, de um lado, quer de comunismo, do outro, Lula ganha votos para Bolsonaro, à medida que Bolsonaro ajuda Lula, prescindindo do debate, em uma irônica demonstração de inabilidade política.

Ademais, vejamos: alguns deputados federais do Centrão, mais especificamente os que compõem a base de PP, PL e Republicanos, temem por sua reeleição, considerando desembarcar do governo Bolsonaro em 2022, citando o avanço da candidatura Lula, segundo recentes pesquisas. Traição? De jeito nenhum! Não se trai a quem nunca se amou; mera jogada eleitoral.

O mesmo fenômeno do dualismo se repete às vésperas de uma eleição que, ao que parece, nem nasceu e já está velha.

E quanto a uma especulada terceira via? Peguemos, por exemplo, o nome de Ciro Gomes, intelectual, progressista, auxiliado por seu mentor, João Santana. Trata-se de uma candidatura que ainda necessita de visibilidade e viabilidade no terreno da esquerda mais in natura, pois não se identifica com tal eleitorado, nem se daria ao galanteio do PT em um eventual apoio no segundo turno. João Doria – antes “BolsoDoria”, agora oposicionista – precisa garantir o apoio do partido contra as investidas de Eduardo Leite. Isso parece mais simples, mas a imagem de aristocrata parece não ganhar espaço junto ao eleitorado carente de populismo. Por fim, há Sergio Moro: tudo indica a possibilidade de uma disputa a uma vaga no Senado; dificilmente ele será convertido a um partido para fins de buscar a Presidência da República.

Ao que nos resta pensar em como os extremos estão ganhando/conquistando espaço. Outrora PT/PSDB, agora Lula/Bolsonaro. O mesmo fenômeno do dualismo se repete às vésperas de uma eleição que, ao que parece, nem nasceu e já está velha.

Em parte, o PT personificou seu programa de governo em Lula, não cedendo espaço a outras novas lideranças, o que o torna assaz rejeitado por uma elite econômica. Bolsonaro, por sua vez, joga para o público, com pautas que em nada contribuem para resolver a fuga de investimentos do país e o crescente processo de desindustrialização. Isso somado, novamente, o dualismo kantiano se cumpre: estamos à beira do colapso da democracia. Não a democracia do Estado Democrático de Direito, mas à margem da construção de uma arquitetura política palpável e popular.

Diria que não estamos vivendo a própria essência da política. Experimentamos a cada dia o fisiologismo e o pragmatismo eleitoral. Até quando? Talvez a resposta esteja na evolução da democracia, mas fundamentada em projeto e execução, mediante arbítrio popular e ponderação dos três poderes constituídos pela carta magna.

Fiquemos com o pensamento de Heidegger: “A liberdade é a própria essência da verdade”. Tirem-nos, portanto, tudo, menos o poder da escolha, meio pelo qual seremos nós a adimplir o contrato social nas mais diversas esferas da vida da República.

Edgar Talevi de Oliveira é licenciado em Letras, pós-graduado em Linguística, Neuropedagogia e Educação Especial, e bacharel e mestre em Teologia.

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