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O que espanta nos sucessivos episódios de corrupção governamental que espocam a cada semana é a facilidade com que uma teia de intermediários e empresários obscuros se aproxima das verbas públicas e conseguem canalizá-las para os objetivos mais insólitos. Se você, paciente leitor, estivesse encarregado de comprar centenas de ambulâncias ou ônibus para distribuir pelas prefeituras do interior do país, onde iria procurá-los? Nas montadoras, que certamente salivariam de prazer antecipado ante o tamanho das encomendas? Ou em Mato Grosso, onde não existe nenhuma manufatura de veículos nem o estado é conhecido por sua suposta especialização na adaptação de ambulâncias e ônibus? Um administrador público prudente iria diretamente às montadoras. Uma dona de casa prudente faria o mesmo. Uma empresa privada ciosa de seu dinheiro não faria diferente. Mas quem é prudente nessa história toda, cara pálida? O negócio é confundir, não é explicar. Portanto, vamos a Mato Grosso...

Em síntese: há no país uma economia visível, formada por empresas onde o cidadão comum e as outras empresas se abastecem. E há uma casta especial de "fornecedores do governo", uma economia subterrânea, em que abundam intermediários que fornecem bens que não produzem e propõem-se a prestar serviços para os quais não são qualificados tecnicamente, beneficiando-se das brechas enormes existentes na legislação brasileira e no anacronismo dos processos de controle que permitem as subcontratações e a proliferação desses parasitas.

Como pano de fundo está o anacronismo das práticas de gestão da administração pública brasileira, pois enquanto as empresas privadas vivem um frenesi de inovações na área de gestão, os governos adotam regras e práticas que têm várias dezenas de anos e se mostraram ineficazes ou vulneráveis ao abuso e à corrupção. A legislação que disciplina os orçamentos públicos no país é de 1964 e de lá para cá já se passaram mais de quarenta anos e o Brasil é totalmente diferente do que era. A filosofia básica da administração brasileira ainda tem por base o Decreto Lei 200 de 1967, um quarentão desgastado pelos embates da vida. No estado do Paraná, a última reforma administrativa digna desse nome data de 1974, trinta e dois anos atrás, editada pelo então governador Emílio Gomes e implantada por Jayme Canet Junior. De lá para cá, só foram realizadas algumas modificações tópicas e outras essencialmente cosméticas.

Nesse interim, multiplicaram-se formas de atuação governamental então desconhecidas como as ONGs e Oscips – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, cuja falta de controle enseja um rosário de abusos, enquanto que a cadeia produtiva brasileira se alterou de maneira radical tornando inócuos processos antes consagrados na gestão de compras e contratações. De quebra, aperfeiçoou-se enormemente a malandragem e sofisticou-se o arsenal de formas para burlar a legislação, fraudar uma licitação, cartelizar um fornecimento ou desvirtuar a prestação de serviço aos governos.

Por onde começar a limpar essas cavalariças de Augias que hoje ocupam um vasto segmento da administração brasileira? Na raiz de todos nossos problemas está a falta de transparência da administração pública, onde políticos e burocratas se deliciam submetendo o público a espetáculos de dissimulação e prestidigitação enquanto fingem estar preocupados com a lei e a ética. É urgente e indispensável dar absoluta transparência às decisões governamentais, aos contratos de compras e contratações, aos cadastros de fornecedores. Excluídos alguns pouquíssimos assuntos de natureza sigilosa na área da defesa nacional e da diplomacia, todos os demais atos dos governos devem ser totalmente públicos, pois – como lembraria sabiamente o Conselheiro Acácio – a gestão pública se faz gastando dinheiro público e o dinheiro público pertence ao público.

Segundo, atualizando as estruturas e os processos de gestão utilizados na administração governamental que já deveriam ter sido arquivados há muito tempo e modernizando as estruturas e processos de controle público para adaptá-los a essa filosofia de absoluta transparência. Nesse aspecto, a verdadeira implantação da tecnologia de governo eletrônico, o e-government é inadiável, pois o uso extensivo e inteligente da Tecnologia de Informação é a forma mais moderna e eficaz para isso. Terceiro, modernizando e purificando o processo parlamentar, origem de grande parte dos abusos exatamente porque sua mecânica de funcionamento é cuidadosamente estudada para propiciá-los e dificultar o controle.

Enquanto isso não se faz, "a pátria-mãe tão distraída" da música de Chico Buarque continua a não perceber que está sendo "subtraída em tenebrosas transações" com um vigor e uma desenvoltura até agora desconhecidos na história administrativa brasileira. E não esquecendo que as eleições de outubro são a oportunidade esperada para uma grande faxina cívica.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE Business School.

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