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Se Paris bem valia uma missa, como disse Henrique IV ao se converter ao catolicismo para dobrar os católicos franceses, os bilhões de dólares de Chávez valem bem aguentar seus discursos e bravatas

Nos últimos cinco anos e meio, o comércio brasileiro com a Venezuela gerou saldos comerciais de mais de US$ 17 bilhões em nosso favor. O país está situado em uma posição estratégica para nós e temos muito pouco a perder e nada a temer com a retórica chavista, que em matéria de bravata lembra muito o finado Saddam Hussein, prometendo a mãe de todas as batalhas para vizinhos e adversários. Portanto, a decisão da Comissão de Relações Exteriores do Senado, depois dos minuetos e contradanças convencionais dos pais da pátria preocupados com a democracia venezuelana, aprovaram a entrada da Venezuela no Mercosul foi mais do que acertada.

Hugo Chávez faz parte da vanguarda do atraso latino-americano, acolitado por seus aliados bolivarianistas (o que quer que isso signifique) do Equador, da Bolívia e pelo patético casal Kirchner, que está conseguindo levar a grande Argentina à suprema humilhação de depender dos bons humores financeiros da Venezuela para fechar suas contas. No entanto, negócios são negócios e fronteiras são fronteiras. Ainda bem que, em um instante fugaz de lucidez, alguns membros do Senado esqueceram a infeliz ideia de mandar uma delegação a Caracas para apurar as violações às franquias democráticas. Corriam o risco óbvio de não passar do aeroporto e serem defenestrados com a recomendação de gastarem suas energias com os problemas brasileiros, que não são poucos, começando pelo próprio Senado e suas práticas pouco republicanas.

É muito difícil, se não for impossível, distinguir as formalidades democráticas da verdadeira prática da democracia. Só os néscios acreditam que a Venezuela seja uma nação substantivamente democrática, apesar de adotar os rituais da democracia, tais como as eleições, o pluripartidarismo, a existência de cortes judiciais. Uma rápida leitura do trabalho do sociólogo alemão Robert Michels, publicado do Brasil pela Universidade de Brasília sob o título Sociologia dos Partidos Políticos basta para entender a verdadeira dinâmica das democracias formais, em que as lideranças políticas e as elites manipulam as práticas democráticas para fazer valer seus interesses e preservar seus privilégios. Ou, para quem quiser carregar um pouco nas tintas e estudar uma situação infinitamente mais sinistra, ler o antológico Ascensão e Queda do Terceiro Reich para compreender como os governantes manipulam as massas para se impor pela força e pela intimidação e então verão que as milícias bolivarianas de Chávez são uma versão farsesca das Sturm Abteilung das SA hitleristas.

Mas isso é um problema a ser resolvido pelos venezuelanos eles próprios, quando se cansarem de ver seu rico país jogar suas riquezas fora para atender aos desejos políticos do atual governante. Se algum dia, ele tiver ideias mais ambiciosas e cobiçosas a respeito de seu grande vizinho do sul, aí é outra conversa, mas por enquanto, Chávez e seu regime são apenas aquilo que os ingleses educados chamam de pain in the neck, uma dor na nuca e os maleducados chamam de dor em outro lugar, bem mais ao sul na geografia humana.

O Brasil tem de começar a enfiar na cabeça que sua escala de importância mundial está mudando rapidamente e para melhor e que compete a ele estar à altura dessa mudança. A situação em Honduras já é farsesca demais para um país que se pretende sério: a embaixada brasileira foi ocupada pelo presidente deposto e por dezenas de seus correligionários, que fizeram do sacrossanto espaço extraterritorial das embaixadas um inédito bunker de onde negociam com os adversários. E nós, em vez de nos colocarmos como árbitros, interlocutores valiosos para restaurar a normalidade na região, nos envolvemos até a medula com as maquinações do presidente Zelaya, como se nos coubesse o papel de defensor das formalidades democráticas hondurenhas.

Se Paris bem valia uma missa, como disse Henrique IV ao se converter ao catolicismo para dobrar os católicos franceses, os bilhões de dólares de Chávez valem bem aguentar seus discursos e bravatas e deixar que os venezuelanos resolvam seus próprios problemas internos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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