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Protocolo de segurança do coronavírus em escola pública de Porto Alegre, capital do RS
Imagem ilustrativa.| Foto: Alex Rocha / Prefeitura de Porto Alegre

Sociedades educadas são sociedades prósperas. Mas uma educação de qualidade não é um objetivo trivial de conquistar. São necessários, por exemplo, investimentos pedagógicos, de formação, infraestrutura física nas escolas como bibliotecas, áreas de esporte, instrumentos eficientes de gestão escolar, entre tantos outros. No entanto, quase sempre se esquece que a peça fundamental da educação é o professor. E muito menos se fala sobre sua saúde mental e sobre suas condições de trabalho. Vale notar, contudo, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica a profissão de professor como uma das mais estressantes de todas. Um artigo publicado em janeiro de 2021 por dois pesquisadores finlandeses, Timo Saloviita e Eija Pakariness, na Teaching and Teacher Education confirma esse diagnóstico, qualificando que esse estresse se manifesta amplamente, mesmo em contextos educacionais e culturais distintos.

Precisamos, assim, falar das condições de trabalho e de saúde mental dos professores, como burnout e depressão, como obstáculos a serem superados para uma melhoria da qualidade da educação no Brasil. Dados de uma pesquisa recém-lançada pelo Instituto TIM sobre “Saúde Mental e Bem-Estar dos Professores Brasileiros do Ensino Fundamental”, que tive o privilégio de coordenar, em colaboração com colegas do PPGE de Economia da PUC-RS, nos ajudam a caracterizar essas questões que atingem 1,4 milhão de docentes do ensino fundamental no Brasil.

Antes da pandemia, em janeiro de 2020, foram entrevistados 770 professores de 22 estados de escolas públicas municipais, estaduais e privadas. Em um segundo momento, em novembro de 2020, 283 professores responderam ao mesmo questionário com questões adicionais sobre a pandemia. A pesquisa utilizou quatro instrumentos validados pela literatura para medir a saúde mental dos professores: JCQ questionário de satisfação no trabalho; MBI, Registro de Burnout de Maslach; PHQ-9, questionário de saúde do paciente usado para depressão; e WEMWBS, a escala de Bem-Estar Mental de Warwick-Edinburgo.

A pesquisa descobriu que as condições de trabalho dos professores brasileiros são, em média, muito difíceis. Dão uma média de 30,5 horas de classe por semana e trabalham mais quatro horas em atividades diversas. De fato, 25% trabalham em duas ou mais escolas e 24% exercem outras atividades para complementar sua renda. Pior, 40% já experimentaram, nos últimos dois anos, algum atraso ou parcelamento de salário. Além disso, 77% trabalham em bairros economicamente vulneráveis. E 33% deles trabalham em escolas onde faltam recursos ou material didático para suas aulas. A violência é uma característica presente: 21% dos professores já foram ameaçados por algum aluno e 64% já presenciaram agressão verbal ou física de alunos a professores ou funcionários da escola.

Não deve causar nenhum espanto, assim, que 61% dos professores se sintam esgotados ao final de um dia do trabalho com alta frequência e que 52% sintam estar no seu limite, de algumas vezes por mês até todos os dias; 48% acham com alguma frequência que o seu trabalho pode estar lhes endurecendo emocionalmente. Esse burnout não é apenas um problema individual dos professores, mas tem claras repercussões institucionais e funcionais, como redução do aprendizado dos alunos, maior taxa de ausência dos professores, maior turnover nas escolas etc. No limite, isso chega à depressão, que nessa pesquisa atingiu 16,6% de todos os entrevistados. A taxa brasileira é mais alta que os parâmetros internacionais, que sugerem taxas de depressão docente entre 5% e 10%, como calculadas pela Nuffield Foundation e pelo UCL Institute of Education de Londres. Em particular, chama atenção no caso brasileiro o fato de que 14%, em algum momento, consideraram o suicídio. Esse é um problema grave de saúde pública que não deve ser ignorado.

Ano passado, a Nova Escola conduziu uma pesquisa que mostrou que 72% dos educadores tiveram sua saúde mental afetada pela pandemia. As evidências que coletamos na pesquisa do Instituto TIM detalharam alguns aspectos da saga enfrentada pelos professores nessa pandemia: 78% tiveram problemas com seu sono, 67% enfrentaram problemas financeiros por conta da pandemia, 66% tiveram dificuldade de adaptação às aulas não presenciais e 58% lutaram contra obstáculos para ministrar aulas remotas de suas casas, como barulho e interrupções.

Isso quer dizer que o burnout e a depressão dos professores pioraram de forma geral com a pandemia? Não. O surpreendente das evidências coletadas é que a situação “normal” dos professores é tão devastadoramente perversa que a pandemia acabou aliviando essa pressão. O sentimento de desânimo ou falta de esperança caiu 20%; o sentimento de cansaço e falta de energia caiu 23%; e o sentimento de não gostar de si mesmo caiu 14%. Mais importante, a consideração sobre o suicídio caiu 15%. A pesquisa explorou dezenas de variáveis que sinalizam essa tendência. Como tal, a melhor analogia para entender o que aconteceu (e ainda está acontecendo) talvez seja como meio ambiente. A pandemia, ao parar a economia, mostrou o céu azul de algumas cidades. Do mesmo modo, o burnout e a depressão são tão elevadas que a parada da pandemia fez com que os professores pudessem respirar um pouco.

Ensinar é um ato de amor. Além do mero conhecimento, exige motivação, carinho, preparação, planejamento, empatia, algo de entusiasmo e uma atitude positiva em relação ao futuro. Professores com burnout ou com sintomas de depressão não conseguem dar de si o que é necessário para uma educação de qualidade. Precisam de cuidado para que cuidemos todos de nosso futuro.

Flavio Comim é professor da IQS School of Management (Barcelona) e da Universidade de Cambridge, responsável pela pesquisa e um dos idealizadores do projeto “O Círculo da Matemática no Brasil”.

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