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Caça à liberdade
| Foto: Felipe Lima

Promulgada durante o regime militar, a Lei 5.197/67 é uma das diversas heranças autoritárias e centralizadoras que carregamos até o dia de hoje. Essa ordem imposta por Castello Branco ilustra a desconexão dos burocratas brasilienses com a realidade dos brasileiros. Logo no artigo 1.º, promulga-se que “os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. Com uma canetada, não só proíbe-se a caça no Brasil, como atribui-se ao Leviatã a propriedade de todos os animais silvestres.

Cabe ao município decidir sobre a proibição ou a legalização da caça, não a um burocrata em Brasília

Com o papel histórico da instituição da propriedade privada para a coordenação econômica de agentes, imagina-se o tamanho da descoordenação econômica e insegurança jurídica causada por tamanha apropriação imoral. Distorce-se a noção de propriedade àquilo definido pelo governante e não àquilo oriundo do trabalho. Por consequência, desde um fazendeiro no Centro-Oeste que protege sua fazenda de predadores silvestres até um pescador ribeirinho que comercializa os frutos de sua pesca agora estão sujeitos à intervenção estatal em suas ações de subsistência, seja com barreiras custosas ou acusações arbitrárias de predatismo ecológico. Vencem os políticos e perdem os cidadãos.

Entende-se que muitos dos cidadãos cosmopolitas têm uma visão culturalmente negativa frente à caça, ao passo que a população rural está mais próxima e acostumada a utilizar diretamente os recursos naturais à sua volta. No entanto, a lei federal carrega tamanha autoridade que surpassa qualquer independência ou peculiaridade de um estado ou um município, prejudicando a autonomia local. Mas, como exposto por Nassim Taleb em sua obra Arriscando a Pele, uma ação em escala federal tem impactos muito mais profundos sobre o local. A escala importa não só para a precisão da regra como também para lidar com as consequências de suas ações. Um burocrata em Brasília dificilmente sofrerá as consequências diretas de uma lei promulgada que afeta o Acre. Já o prefeito, ou um vereador, está muito mais exposto às consequências positivas (ou negativas) de suas decisões. O impacto de um sistema político mais federalista, com maior “pele no jogo”, é um sistema em que políticos ruins não estão imunes a suas ações.

Assim como proibir subitamente a caça e apropriar-se de toda a fauna silvestre em território nacional é uma intervenção autoritária, o mesmo seria liberar a caça em todo o território nacional. Quanto mais próximos do indivíduo e da comunidade que convive com a fauna, mais adaptadas serão as leis. Dessa maneira, diversos modelos de governança podem ser testados localmente e replicados por municípios interessados. Logo, cabe ao município decidir sobre a proibição ou a legalização da caça, não a um burocrata em Brasília.

Luiz Guilherme Priolli, formado em Economia e Finanças pela Bentley University (Boston, EUA), é cofundador do grupo acadêmico Insper Liber e fundador da rede de debates Polemitics.

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