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Hoje em dia, a expectativa média de vida de um produto de informática é de menos de nove meses, ou seja, no período de uma gestação humana, as empresas devem inventar algo que "encante", "surpreenda" o mercado

A Toyota, paradigma de excelência em qualidade foi obrigada a fazer dois recalls no mundo em menos de um ano para corrigir defeitos em seus veículos e está temporariamente proibida de vender para os mineiros, por força de uma ação movida pelo Ministério Público. Motivo: uma má fixação do tapete de seu melhor veículo, o Corolla, que faz com que o motorista acelere involuntariamente com o risco de provocar acidentes. Um reles tapetinho, que não deve custar nem 1% do que se paga pelo carro, destrói uma reputação adquirida ao longo de muitas décadas, mas de quem é a culpa? Se os fatos relatados na imprensa forem exatos, da própria empresa, que não se deu ao trabalho de avisar ostensivamente ao mercado, que existia aquele defeito e a possibilidade de acidente, limitando-se a colocar burocraticamente um aviso no manual de instruções, que quase ninguem lê.

Fechos de porta-malas perigosos deceparam dedos de alguns clientes da Volkswagen e o mesmo aconteceu com compradores de uma marca líder na produção de carrinhos para bebê, que não souberam manejar a complexa montagem do trambolho. Aliás, nutro uma antipatia visceral e irredutível por esses carrinhos de nenê imensos que são vendidos hoje em dia e que atravancam elevadores e corredores e atropelam os desavisados. Deveria haver uma regra de proporcionalidade: entre o peso e o tamanho dos bebês e o carrinho em que são transportados, mas essa é uma luta inglória contra jovens pais orgulhosos, que inflam o ego colocando seus rebentos no correspondente infantil a um jipão Hummer, daqueles usados pelos soldados no Iraque e pelos novos ricos de mau gosto.

Esses acidentes de percurso não são isolados e, em minha opinião, refletem a evolução do capitalismo para um novo patamar de irresponsabilidade: hoje em dia, as empresas são permanentemente pressionadas para inovar, colocar novos produtos no mercado e superar seus concorrentes, e para isso criam atalhos na concepção e produção, de maneira a encurtar prazos; pressionadas também pela necessidade de ser competitivas em preço, espremem fornecedores o mais que podem e os obrigam a descontos e prazos irrealistas, sob pena de buscar novos parceiros. Hoje em dia, a expectativa média de vida de um produto de informática é de menos de nove meses, ou seja, no período de uma gestação humana, as empresas devem inventar algo que "encante", "surpreenda" o mercado. Nesse aspecto, aliás, a humanidade está em absoluta vantagem em relação à tecnologia, pois nada é mais prazeroso e gratificante do que o processo de geração de novos seres humanos capazes de encantar (seus pais e seus avós, no mínimo) e surpreender (pais e mães descuidados, por exemplo), enquanto que nos laboratórios de informática, o processo de geração de novos produtos é penoso e neurotizante.

Mas por que razão empresas tradicionais se submetem a esse jogo de gato e rato, correndo o risco de desmoralizar-se um pouco mais a cada recall? Porque o capitalismo frenético tem novos reis, que não são os consumidores, como gostavam de alardear as empresas de antigamente: são os "analistas de mercado", uma seita de illuminati, especializada em fazer cálculos sobre a lucratividade potencial de produtos e de corporações. Nesse novo capitalismo, não basta ter lucros gigantescos: é necessário que tais lucros igualem ou superem as "expectativas dos analistas", caso contrário o mercado entra em parafuso descendente. Há dias, a Google anunciou resultados financeiros de fazer qualquer um abrir a boca, mas... os "analistas de mercado" torceram o nariz, pois esperavam mais.

Será que nós consumidores estamos ganhando algo de realmente valioso em tudo isso? Não tenho qualquer ilusão a respeito e minha descrença é somada à frustração: cada vez que estou aprendendo a usar uma versão de Windows, surge uma nova, os comandos não estão mais nos mesmos lugares, os menus estão caprichosamente ocultos, o que era fácil anteriormente se transformou em algo completamente esotérico. Além de não me beneficiar das inovações, isso me dá uma desagradável sensação (mesmo que merecida) de completa estupidez.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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