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Parece haver um pacto de silêncio sobre a edição do Decreto n.º 6.932/09, que impõe a todos os órgãos e entidades do Poder Executivo Federal o dever de afixar, em lugar visível e de fácil acesso, uma "Carta de Serviços ao Cidadão". Vi­­gente desde agosto de 2009, as promessas contidas nesse decreto adormecem vítimas do descaso da burocracia brasileira em relação aos direitos de cidadania.

Concebidas como um compromisso público entre sociedade e Estado, as Cartas de Serviço devem conter informações claras e precisas em relação ao serviço oferecido pelo órgão ou pela entidade (documentos e informações para acessar o serviço, etapas de seu processamento, prazo máximo para sua execução, forma de prestação e de comunicação, tempo de espera, tratamento a ser dispensado ao usuário, sistema de sinalização, limpeza e conforto, modos de recebimento de reclamações e sugestões, entre outros).

Além das informações imprescindíveis para o acesso e a prestação do serviço, as Cartas devem contemplar elementos necessários para a avaliação da qualidade do serviço pelos usuários e mecanismos que assegurem a pesquisa de satisfação como "subsídio relevante para reorientar e ajustar os serviços prestados, em especial no que se refere ao cumprimento dos compromissos e dos padrões de qualidade de atendimento divulgados na Carta de Serviços ao Cidadão" (art. 12).

A edição desse decreto pelo Executivo Federal filia o Brasil a um grupo de países da América Latina que acompanhou outras iniciativas como a Carta do Cidadão do Reino Unido, a Carta dos Usuários de Serviços Públicos da Bélgica, a Carta Francesa sobre Serviços Públicos, o informe da National Performance Review dos cidadãos norte-americanos, as Normas Canadenses de Serviços ao Cliente e, especialmente, as Cartas de Serviço aos Cidadãos da Espanha, reguladas pela Lei n.º 6/1997 (LOFAGE) e pelo Real Decreto n.º 1.259/1999.

Um dos fatores que justificam a recepção dessa iniciativa pelo Brasil foi sua condição de signatário da Carta Ibero-Americana de Participação Cidadã na Gestão Pública, firmada em junho de 2009 em Lisboa, pelos ministros presentes na XI Conferência Ibero-Americana de Administração Pública e Reforma do Estado. Ao firmar esse documento, o Estado brasileiro assumiu o compromisso de instituir mecanismos de democratização da gestão pú­­blica, neles incluído o direito de participação cidadã nos processos de formulação, execução e controle de políticas públicas.

As Cartas de Serviço brasileiras têm um endereço certo: o segredismo burocrático, fundamento causal de uma racionalidade que legitima abusos e excessos de poder, cristalizados em uma cultura administrativa que, ao converter o servidor em autoridade, nega ao cidadão comum informações e instrumentos capazes de responsabilizar o funcionário público ou avaliar o serviço que lhe é prestado.

A efetividade dessa iniciativa normativa do Poder Executivo Federal, entretanto, depende fundamentalmente do resultado da complexa tensão entre decisão governamental, resistência burocrática e demanda social. Por isso urge romper o silêncio que tem envolvido esse decreto, permitindo que as Cartas de Serviço sejam acolhidas pelos cidadãos como um direito e, nesta condição, exigidas por todos os meios legalmente admitidos.

Habilitados para tornar realidade as "Cartas de Serviço" nos órgãos e nas entidades da Poder Executivo Federal, caberá aos ci­­dadãos mais um passo: cobrar do Poder Executivo estadual e mu­­nicipal a edição de medida similar.

Manoel Eduardo Alves Camargo e Gomes, advogado, doutor em direito do Estado, é professor de Direito da UFPR

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