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Vinte e dois anos depois, o retorno ao ponto onde tudo começou. À época estudante do terceiro ano de Engenharia Elétrica, numa visita de um grupo de estagiários, no que chamaram de "natal das famílias de presos" as quais moravam em casas do estado no terreno do Complexo Penitenciário de Piraquara, me senti chamado para o trabalho educativo escolar.

Algumas semanas depois desta visita, atendendo ao convite de uma Comunidade Eclesial de Base, durante a reunião das lideranças da Comunidade, realizada em seguida a uma celebração religiosa, o convite aceito para assumir um trabalho de alfabetização de jovens e adultos com pouco mais de 40 pessoas.

O dia a dia desta primeira experiência pedagógica desafiava o improvisado professor que fui. O relativo insucesso da prática desenvolvida durante 33 encontros, contraditoriamente, levou-me a desistir em definitivo do curso de engenharia e a iniciar uma formação na área de educação. Fiz o curso de Magistério, a graduação em Educação Artística, a especialização em Educação Infantil e o mestrado em Educação, ao longo dos últimos 25 anos em que exerci, alternadamente, a função de professor de Educação Infantil, Ensino Fundamental de 1.ª a 4.ª séries, Educação Artística de 5.ª a 8.ª séries e Ensino Médio e nos últimos dois anos e meio professor de estudantes presos (as) na Educação de Jovens e Adultos.

A necessidade de desempenhar a contento o exercício profissional no sistema penitenciário foi um dos motivadores para a produção da pesquisa "Cela de aula: espaço de ensino e aprendizagem". Além deste, a possibilidade de contribuir para que a comunidade científica e a sociedade em geral, conhecendo este espaço, pudessem melhor dimensioná-lo e em especial superar alguns mitos e preconceitos, também o foram.

Estar inserido como trabalhador da educação nas três unidades penitenciárias nas quais o trabalho de pesquisa de campo se desenvolveu exigiu uma postura de equilíbrio deste pesquisador. Por se tratarem de unidades de segurança máxima, todos os encaminhamentos para testagem e aplicação do questionário de pesquisa ou para a produção das imagens fotográficas necessitaram de encaminhamentos de autorização especiais da parte dos (as) presos (as) e das autoridades penitenciárias.

Quem são os homens e mulheres pesquisados?

Estudantes das celas de aula nas turmas da fase inicial da Educação de Jovens e Adultos em que o professor-pesquisador atua, com predominância nas faixas etárias mais jovens entre l8 e 37 anos. Dos (as) vinte estudantes entrevistados (as), uma é casada, uma separada, nove amasiados (as) e nove solteiros (as). Apenas cinco não têm filhos. Somente uma dos (as) pesquisados (as) estava estudando quando da sua prisão. Dezessete não o faziam há mais de dez anos. Um olhar crítico sobre as razões do afastamento apresentou as causas econômicas decorrentes dos modelos concentradores e excludentes, predominantes ao longo da história de nosso país, com repercussão direta nesta situação.

Apontam a escola como possibilidade de reconstrução de sua história pessoal e de remissão da pena. Manifestam vontade de estudar pela necessidade de conhecer e aprender para saber lidar com as situações de vida. Alguns (mas) tem no (a) professor (a) a única visita que recebem em função de que seus familiares estão distantes ou ausentes por outros motivos. Vêem a escola como lugar de conhecer um mundo não conhecido, de encontro com as pessoas, de esfriar a cabeça, viver com prazer, fazer amizade, estudar nos livros, copiar as lições do professor, ser considerado gente como os outros, falar e ser ouvido com respeito, acreditar nas pessoas, principalmente no professor entre outros motivos apresentados pelos (as) estudantes.

Vêem o trabalho do professor como ação importante, que pode ajudar quando propõe situações necessárias de aprendizagem, que deve utilizar recursos que tornam o que se estuda interessante, que organiza e propõe vários tipos de atividades, que possibilita ao (à) estudante mostrar o que precisa aprender, portanto indispensável.

Emerson Lemke Queluz é professor.

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