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O presidente Lula.
O presidente Lula.| Foto: André Borges/EFE

Mais censura à vista. Tenta-se, e não é de hoje, confundir a opinião pública. Claro está que a desinformação deve ser combatida, principalmente na sua forma mais vil – as fake news, mentiras forjadas para destruir reputações e governos. À luz do Direito, há leis para punir caluniadores e, caso as normas sejam insuficientes, cabe ao Legislativo reescrevê-las. À luz da história, não são poucos os casos em que se disfarçou a censura com as roupas da defesa da democracia. É preciso atenção.

A criação da Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia no âmbito da Advocacia Geral da União, pelo Decreto 11.328/2023, transparece antigo desejo de um grupo político de se legitimar como dono da verdade. Os argumentos que embasam a criação do órgão policialesco, por mais que assim não se assuma, seriam ponderáveis não fossem seus criadores velhos conhecidos.

Lidar com desinformação é missão complexa, requer debate com toda a sociedade e com instituições acreditadas e não dominadas por ideologias.

Recordar é viver, portanto, lembremos que em 2004 o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretendeu expulsar do país o jornalista Larry Rhoter, correspondente do New York Times. Como se sabe, foi desencorajado pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cioso de que a medida comprometeria a imagem da nossa democracia. Rhoter escrevera uma matéria para o jornal americano sobre o suposto – ou notório? – hábito etílico do presidente brasileiro.

A já criticada Procuradoria de Defesa da Democracia brota do desconhecimento jurídico – por ora, não cogitemos má-fé. Em nota, a AGU afirmou que “desinformação e mentira são diferentes do sagrado benefício da liberdade de expressão” e que “não há a menor possibilidade” de que o órgão venha a atuar contra a livre opinião. Não poderia dizer diferente.

Como bem ressaltou Floriano de Azevedo Marques, professor de Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, a desinformação deve ser combatida a partir de dois eixos: a desinformação dolosa, as fake news, pelo Ministério Público e pela Justiça, inclusive a penal; e a desinformação involuntária, por meio de muita informação correta. O nobre papel institucional da AGU não alcança nenhum dos dois eixos.

Qual é, no ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de desinformação? Não existe, e o governo parece chamar para si a tarefa de defini-lo.

No artigo 47 do decreto que cria o órgão, consta que a PDD terá por finalidade, entre outros itens, “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Mas, qual é, no ordenamento jurídico brasileiro, o conceito de desinformação? Não existe, e o governo parece chamar para si a tarefa de defini-lo. Um perigo, especialmente ao pretender excluir a matéria do debate popular e a definição pelo Legislador, como representante e legitimador da fonte do poder.

De todo modo, eventuais crimes no campo da informação devem ser denunciados pelo Ministério Público ao Judiciário. Restaria à PDD, depreende-se, a singela tarefa de apontar o que é verdade e o que é mentira, no entender do governo.

Não é dessa forma que se derrotará a avalanche de desinformação que assola o Brasil e o mundo. Talvez – e aqui chamo ao debate construtivo – seja necessário repensar a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2009, que extinguiu a Lei de Imprensa, medida que ganhou aplausos da Associação Nacional de Jornais e da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão e o repúdio da Federação Nacional dos Jornalistas. Temos um vácuo legal nessa área? A quem será atribuído o poder de dizer o que é a verdade no país, cerceando a liberdade de expressão?

Recordemos o escândalo do jornal britânico News of the World, em 2007. A questão envolveu grampos ilegais, portanto formas de se obter informação, não se tratando de disseminação de fake news, mas mobilizou o Reino Unido, e o inquérito, conduzido pelo juiz Brian Leveson, resultou em um verdadeiro tratado sobre o papel da imprensa. Leveson não propôs regulação autoritária nem censura prévia, mas mecanismos que garantissem qualidade e ética aos veículos de comunicação.

Lidar com desinformação é missão complexa, requer debate com toda a sociedade e com instituições acreditadas e não dominadas por ideologias. Trata-se de algo sério demais para ficar nas mãos exclusivas do governo. De qualquer governo.

Adib Kassouf Sad é advogado, vice-presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo. É membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Foi conselheiro secional e presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB SP.

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