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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

No último dia 11/10, o diário carioca O Globo publicou um editorial condenando o que classificou de “exageros” do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no combate às notícias falsas – as chamadas fake news. Três dias antes, o editorial do jornal Folha de São Paulo pedia “mais parcimônia” ao Tribunal no combate às fake news sob pena de “afetar liberdades”. No dia 13, o plenário do TSE determinou que uma produtora de vídeo – e que oferece serviços de streaming – removesse de suas plataformas conteúdos alegando que os mesmos padeciam de “desordem informacional”; embora considerasse não se tratar de fake news, a decisão pela remoção foi exarada.

No dia 15, o corregedor geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, abriu investigação contra o grupo Jovem Pan para apurar tratamento privilegiado à candidatura de Jair Bolsonaro (PL). O pedido, vindo da campanha do PT, baseia-se em um argumento, a princípio, legítimo: falta de isonomia. Por se tratar de uma concessão pública, alega a chapa, a emissora estaria beneficiando uma candidatura em detrimento de outra. No entanto, na decisão do corregedor há algo demasiadamente perigoso: “os comentaristas persistem na divulgação de afirmações falsas sobre fatos”. O que vem a ser “afirmações falsas sobre os fatos”? Opinião? Se sim, pode-se afirmar com segurança que estamos diante de um caso de tutela judicial – o que, ressalvadas as diferenças, guarda traços de semelhança com o Tribunal do Santo Ofício.

No último domingo, a coligação Lula-Alckmin voltou a carga e ingressou com uma nova ação pedindo o bloqueio de 62 contas de redes sociais sob o argumento delas serem promotoras de fake news – o que chamou de “ecossistema de desinformação”. Na segunda-feira, 17, em julgamento virtual, o plenário da Corte Eleitoral decidiu,por 4 votos a 3, que jornalistas da Jovem Pan se abstenham de tratar determinados assuntos em todas as plataformas do grupo sob pena de multa diária de R$ 25 mil para o canal e para os jornalistas – noutras palavras, trata-se de um escandaloso (e ilegal) caso de censura prévia. A decisão provocou nota de repúdio da Abert e protestos de outras entidades da área de comunicação, como Abratel, ANJ, além da Fundação Casper Líbero, TV Gazeta e do canal de notícias CNN Brasil.

O fato é que, se, em 11/10, O Globo dizia que o TSE teria ido longe demais– à época, o jornal se posicionava contra censura ao site O Antagonista, ao jornal Gazeta do Povo e à própria Jovem Pan –, hoje, depois das últimas decisões, pode-se dizer que o órgão deu de ombros para o alerta do jornalão. Como indica o diário carioca, a proliferação indiscriminada de notícias falsas potencializada pelas redes sociais demandou do fiscal da eleição, no caso o TSE, uma vigilância e uma atuação. No entanto, o que estamos assistindo é outra coisa.

A banalização do termo fake news criou uma cortina de fumaça para coibir a crítica de adversários. Descambando da propaganda eleitoral, a fiscalização eleitoral passou a mirar emissoras de rádio e de televisão, jornais, revistas, sites, e, por conseguinte, os profissionais que haurem a notícia: os jornalistas. Em resumidas contas, o “combate à desinformação” está sendo utilizado como pretexto para censurar opiniões/posições – além de funcionar como uma inaceitável intimidação/coação a esses profissionais.

A causa para o desvirtuamento do debate sobre fake news encontra-se assentada numa enorme confusão: a questão da verdade. Onde ela está? Durante os séculos XIX e XX, os positivistas defendiam que a verdade somente seria obtida por intermédio de uma análise objetiva destituída de juízos de valor. Alegando ser tal neutralidade impossível, sociólogos vinculados ao historicismo alemão, como Wilhelm Dilthey, passaram a advogar que, em função do ponto de vista individual, a verdade só poderia ser atingida de modo parcial. O relativismo derivado desse raciocínio faria surgir várias soluções, como a de sintetizar as várias verdades parciais com o intuito de obter-se a verdade geral.

Embora não haja conclusão nem consenso acerca de qual o melhor modo de se alcançar a verdade (ainda que toda a boa tradição reclame ser ela objetiva; logo, elas não são “narrativas”), o fato é que, à luz da experiência acadêmica e política do último século, não há o menor sentido, para o desenvolvimento civilizatório, cercear o livre debate de ideias. A ex-URSS, sob o sectarismo do stalinismo, viu a sua ciência e filosofia se esterilizarem amargamente durante anos a fio.

Aqui no Brasil, tal situação acende o sinal de alerta. É sabido que, se antes o PT defendera a chamada democratização da comunicação, hoje, com a horizontalização da comunicação via redes sociais, o seu candidato fala em “regulamentar a mídia”. Se esta posição do PT for uma amostra grátis do que entende por regulamentação, a sociedade brasileira precisa estar em alerta máximo, uma vez que temas controversos e sabidamente não consensuais entre cientistas e profissionais especializados, como o aquecimento global ou mesmo a recente pandemia de Covid-19, podem vir a ser objeto da mais vil censura sob o pretexto de “combate à desinformação” – e, como toda a censura, impedir que a sociedade tenha garantido o seu direito de ser informada. Ademais, temos exemplos em nossa própria história recente de que tal caminho, além de ensejar a resistência, alimenta uma indignação da parte tolhida que, uma hora ou outra, tende a emergir (e explodir).

Rogério Castro é jornalista e professor universitário.

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