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Ministros do STF, como Alexandre de Moraes, vão debater sobre liberdade e democracia.
Ministros do STF, como Alexandre de Moraes, vão debater sobre liberdade e democracia.| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Em alguma de suas inúmeras obras — o leitor há de acreditar que a citação é verdadeira, embora a memória do autor já esteja a dar sinais de desgaste —, Chesterton disse algo como “o verdadeiro teste da democracia não é se o povo vota, mas se o povo governa”.

Governar, em definição trivial e de dicionário, consiste em dirigir, comandar, controlar. A democracia acaba por ser o sistema de governo em que o povo, diretamente ou por seus representantes, governa, dirige a nação; o voto é só um momento, um ato do processo democrático.

Afora a excepcionalíssima circunstância de estado de sítio, todo e qualquer assunto, toda e qualquer decisão, todo e qualquer dogma podem ser objeto de livre manifestação de pensamento.

Os países que adotam o sistema democrático têm leis escritas ou costumeiras que estabelecem mais ou menos exaustivamente como o governo pelo povo e para o povo deve ser exercido; a Constituição Federal Brasileira de 1988 não é exceção.

Entre os inúmeros mecanismos de exercício do poder (voto, iniciativa popular, direito de petição, ação popular etc.), encontra-se em lugar privilegiado — qual seja o rol dos direitos fundamentais e, portanto, cláusulas pétreas da Constituição Federal — o direito à liberdade de expressão e seu consectário lógico a proibição da censura. Encorajo o nosso leitor a, por alguns minutos, interromper a leitura desse texto e, pelo Google, pesquisar no site do Planalto o texto da Constituição Federal; nela, basta olhar o artigo 5o, inciso IV e, logo depois, o inciso IX e, finalmente, o artigo 220 caput e § 2.

O leitor que acedeu ao convite tem já a essa altura — bastando que seja alfabetizado e esteja de boa-fé — elementos suficientes para concluir que a censura não é propriamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Mas se engana o leitor se supõe que a Constituição Federal não autorize em nenhuma hipótese a censura; autoriza-a, sim, em seu artigo 139, III.

A única hipótese de censura admitida na Constituição Federal é aquela imposta após o presidente da República, autorizado pelo Congresso Nacional, decretar o estado de sítio; em nenhuma outra hipótese pode haver censura.

Disso decorre que, afora a excepcionalíssima circunstância de estado de sítio, todo e qualquer assunto, toda e qualquer decisão, todo e qualquer dogma podem ser objeto de livre manifestação de pensamento. Por expressa determinação constitucional, o titular do poder, isto é, o povo, tem direito fundamental, inalienável e irrevogável de questionar, criticar e defender toda e qualquer ideia, bastando que isso não se enquadre como crime de racismo, apologia ao crime ou crime contra a honra.

Não se ofenda o leitor, mas, em minha opinião, questionar/duvidar da existência de Deus é prova cabal de estultice; defender a “liberdade” de abortar é sintoma de depravação moral; defender a abolição da propriedade privada é passar atestado de radical ignorância sobre a natureza humana.

Essas, caro leitor, são as minhas opiniões, mas é importante que você saiba que a Constituição Federal lhe dá todo direito de questionar a existência de Deus, bastando que você não discrimine ninguém por sua religião e nem impeça seu culto; dá-lhe todo direito de defender a plenos pulmões a liberação do aborto, desde que, a fora das autorizações legais, você não aborte; dá-lhe toda a liberdade de defender a abolição da propriedade privada, desde que você não cometa crimes contra o patrimônio.

Como ensinou Stuart Mill em seu On liberty, a censura é um roubo que se faz à humanidade. Se a opinião for correta, rouba-se a chance de trocar o erro pela verdade; se estiver errada, rouba-se a chance de se reforçar a verdade ao vê-la contrastada com o erro.

Maurício Bunazar é advogado e doutor em Direito pela USP.

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