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O protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul foi aprovado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro, devendo agora passar pelo plenário dessa mesma casa. Essa adesão ainda depende da aprovação paraguaia, onde o presidente Lugo enfrenta forte oposição nesse assunto. Enquanto ela não ocorre, vale a pena entender por que causa tanta polêmica. Além disso, devemos aproveitar esse momento para questionar os objetivos e a própria natureza do Mercosul, que tem sofrido com conflitos recorrentes entre os seus integrantes.

Economicamente, a adesão da Venezuela é promissora, especialmente para o Brasil, cujas exportações para a aquele país aumentaram, no período de 1996 a 2008, mais de 930%. Temos apresentado sucessivos superávits em nosso comércio com a Venezuela desde 2001. No ano passado, esse superávit foi de mais de US$ 4 bilhões, o que representa quase 20% do saldo de nossa balança comercial.

Porém, o que poderíamos dizer sobre os efeitos políticos dessa adesão?

Há um problema que tem sido pouco apontado, relacionado à estrutura do próprio Mercosul. Este surgiu com o objetivo de garantir a inserção competitiva de seus quatro participantes – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – na economia mundial, seguindo uma fórmula conhecida como regionalismo aberto. Sua ambição não era exclusivamente a de ampliar o comércio entre seus participantes, que pretendiam, com a sua criação, somar forças e ganhar escala, aumentando seu peso no cenário internacional. O modelo escolhido foi o da união aduaneira, que evita a bu­­rocracia e as ineficiências existentes em uma Zona de Livre Comércio, graças à adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC). A existência da TEC obriga os países membros do Mercosul a adotarem uma posição conjunta nas negociações internacionais em que tenham que fazer concessões que impliquem em reduções de alíquotas.

No Mercosul, as decisões são tomadas por consenso, tendo todos os seus integrantes o mesmo poder de voto e de veto. Quando seus países membros não se entendem, não há acordo. E há inúmeros exemplos recentes, da Rodada Doha às negociações recentemente retomadas com a União Europeia, de ocasiões em que os países do Mercosul apresentaram divergências de opinião que levaram a impasses e a oportunidades perdidas.

Tendo em vista que o Mercosul tem dificuldades para definir uma posição única, e que isso o tem prejudicado, é preciso avaliar se o ingresso da Venezuela aumenta ou diminui a harmonia do bloco. E nesse aspecto, a avaliação da Venezuela não pode ser separada da análise do comportamento do seu presidente. O governo de Hugo Chávez tem sido acusado de cercear a liberdade da imprensa, de nacionalizar empresas privadas de forma arbitrária, de controlar tanto o Legislativo quanto o Judiciário de seu país. Será que, com tamanha concentração de poder em suas mãos, Chávez estará disposto a acatar as opiniões dos demais governantes do Mercosul?

Além disso, ao caminhar rumo ao autoritarismo, a Venezuela torna sua entrada incompatível com as regras do Mercosul. Isso porque ela deixaria de atender à "cláusula democrática" do bloco – que foi estabelecida em 1998 e prevê que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para esse processo de integração.

O Mercosul não conta com instituições fortes. Por isso, seu sucesso ou o seu fracasso dependem muito das atitudes dos seus governantes. Não é preciso muito esforço para perceber que o personalismo de Chávez pode fazer com que o ingresso da Venezuela no Mercosul acentue as dificuldades que esse bloco vem enfrentando há algum tempo.

Eduardo Felipe Matias é doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, sócio de L. O. Baptista Advogados, autor do livro A Humanidade e suas Fronteiras – do Estado soberano à sociedade global, ganhador do prêmio Jabuti.

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