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O Brasil já passou por uma experiência traumática em Goiânia. Seria oportuno aproveitar o momento de discussão mundial, para retomar o debate acerca do futuro da energia nuclear no país

Vinte e cinco anos depois do acidente nuclear de Chernobyl, em 26 de abril de 1986, milhões de pessoas continuam sofrendo os devastadores efeitos radiológicos, psicológicos, sociais, ecológicos e econômicos da maior catástrofe da história nuclear civil. O desastre revelou ao mundo que o uso civil da energia nuclear era capaz de produzir os mesmos efeitos de uma bomba atômica!

Por infeliz coincidência, a data foi marcada pelo vazamento dos reatores da usina nuclear de Fukushima, resultante de um terremoto de grande magnitude que atingiu o Japão em março passado. A tragédia fomentou o debate acerca da viabilidade da energia limpa como alternativa à energia derivada de recursos fósseis.

A explosão do reator de Chernobyl liberou uma nuvem radioativa gigantesca que contaminou tudo num raio de 200 mil km2, chegando até outras partes da Europa e à África, e irradiando efeitos por toda a atmosfera terrestre. Estima-se que milhares de pessoas foram contaminadas. Em seguida ao acidente, a União Soviética realocou cerca de 350 mil pessoas que viviam nas proximidades, e enviou quase 600 mil pessoas, entre bombeiros, civis e soldados, à zona afetada para a construção de um sarcófago que isolasse o material radioativo concentrado no reator por 20 a 30 anos. Não há estudos confiáveis, mas se estima que a maior parte daquelas pessoas tenha sofrido, esteja sofrendo ou sofrerá algum efeito em decorrência da exposição à radiação.

Um quarto de século se passou, mas a tragédia de Chernobyl está longe de pertencer ao passado. Mesmo após a construção do sarcófago, não foi possível reocupar todas as áreas que foram contaminadas. Cinco milhões de hectares de terras foram inutilizados, e houve contaminação significativa de florestas. Os cientistas registraram queda da biodiversidade e várias mutações genéticas em pássaros, insetos e flores. No que diz respeito às pessoas, a situação é alarmante. Além daquelas diretamente afetadas, as estimativas oficiais não se pronunciam a respeito dos milhões de seres humanos afetados indiretamente pela nuvem radioativa que cruzou continentes.

O acidente provocou a liberação de quantidade 400 vezes maior de material radioativo do que aquela liberada pelas bombas despejadas sobre Hiroshima e Nagasaki, no final da Segunda Guerra. A precipitação radioativa de Chernobyl permanece como um perigo para o meio ambiente. As regiões mais afetadas têm contaminação radioativa em até 20 centímetros abaixo do solo. Elas representam uma fonte pequena, mas constante, de exposição. As partículas radioativas passam do solo para as plantas por meio das raízes, e para os animais por meio da vegetação que os alimenta e, para os humanos, por meio da carne e do leite. Médicos e geneticistas alertam para os efeitos das doses fracas de radioatividade em dezenas de milhões de pessoas que vivem, bebem, se alimentam e se reproduzem em um meio contaminado. Para além de tudo isso, teme-se efeitos irreversíveis sobre o genoma humano.

Estima-se que muitas doenças hereditárias, provocadas por mutações genéticas, atingirão milhares de bebês no futuro. A conclusão trágica é de que o acidente nuclear de Chernobyl deverá ficar perpetuado por várias gerações no patrimônio genético da humanidade. Não se trata, portanto, de assunto do passado, mas também do presente e do futuro.

Atualmente existem 440 centrais nucleares no mundo, que significam 440 focos de riscos de desastres nucleares. O Brasil já passou por uma experiência traumática em Goiânia. Seria oportuno aproveitar o momento de discussão mundial, para retomar o debate acerca do futuro da energia nuclear no Brasil, envolvendo os mais diversos setores da sociedade, uma vez que o assunto ultrapassa a questão estratégico-energética, afetando de pleno a saúde pública e o meio ambiente.

Larissa Ramina, doutora em Direito Internacional pela USP, é professora da UniBrasil e do UniCuritiba.

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