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A crise da dívida americana foi uma opor­­tunidade para se ver o que a demo­­cracia tem de melhor e de pior

Como antecipado por este modesto colunista de província, o Congresso americano aprovou o aumento do teto da dívida e o Armageddon econômico, prognosticado por muitos experts e jornalistas, acabou adiado para data a ser oportunamente anunciada.

Não era preciso muita ciência para imaginar que republicanos e democratas radicais e membros dessa grotesca Armata Brancaleone da nova Direita americana, o Tea Party, poderiam fazer muito barulho e gerar muita ansiedade, mas não conseguiriam levar o país a atear fogo às vestes. A derrocada final dos Estados Unidos, periodicamente anunciada com alarde, pompa e circunstância, ainda não aconteceu desta vez, como lembrou em magistral artigo, Elio Gaspari, recorrendo à História. Aliás, falando em História, bastaria se lembrar da frase de Churchill para prenunciar o desfecho da crise da dívida: "Pode-se estar certo de que os Estados Unidos farão a coisa certa... depois de esgotar todas as possibilidades de fazer a coisa errada!".

De qualquer maneira, a crise da dívida americana foi uma oportunidade para se ver o que a democracia tem de melhor e de pior. E ao mesmo tempo, observar um consumado ator político, Barack Obama, operar dentro de um sistema complexo em que coexistem tantas forças e tantos interesses antagônicos. Ao recorrer à população para pressionar o Congresso, Obama não estava fazendo uma bravata e sim respondendo com agilidade ao sentimento das ruas: pouco antes, haviam sido divulgadas pesquisas que mostraram que mais de 80% dos pesquisados consideravam impatriótico insistir em levar o país à desmoralização nos mercados financeiros. Às vésperas de uma eleição geral em 2012, a insolvência nacional seria estupidez demasiada dos radicais; e aí se manifestou a Lei de Churchill: esgotadas todas as possibilidades de fazer uma colossal besteira, o país decidiu fazer a coisa certa.

O problema da dívida pública americana merece ser analisado com maior profundidade do que vem sendo feito. A dívida sempre foi grande, mesmo porque o que define a capacidade de conviver com um passivo de grandes proporções é a capacidade do país de financiá-lo permanentemente e isso não faltou nunca aos Estados Unidos, para onde converge a maior parte da poupança mundial. O que agravou a questão recentemente foi a soma de oito anos do cataclisma chamado George W. Bush, com suas duas guerras simultâneas e o favorecimento fiscal dos mais ricos; e os custos para debelar a crise de liquidez bancária de 2008-2009, que exigiu a injeção de mais de US$ 1trilhão na economia para que o sistema financeiro não derretesse e levasse de roldão a indústria, os empregos, as pessoas.

O acordo é mais complicado para gerir do que foi para ser negociado. Imaginar que se possa cortar US$ 1 trilhão de despesas públicas nos próximos anos é uma ilusão que ainda perdurará até que, esgotadas todas as possibilidades de fazer bobagem, as isenções e reduções de impostos para os ultrarricos sejam eliminadas e as guerras do Afeganistão e do Iraque encerradas.

O curioso nessa discussão a respeito das finanças americanas é que, dos US$ 410 bilhões emprestados pelo Tesouro americano para bancos e grandes companhias há dois anos para sanear ativos problemáticos, cerca de US$ 290 bilhões já foram recuperados e o custo do socorro, que chegou a ser estimado em mais de US$ 700 bilhões, agora é calculado em apenas US$ 26 bilhões. Enquanto isso o nosso velho BNDES...

Melhor faríamos se nos preocupássemos mais com nosso quintal próprio, onde estão acontecendo coisas estranhas: apenas no mês de julho, entraram no país mais de US$ 5,5 bilhões, saudados como prova de nossa vitalidade financeira e de nosso prestígio internacional. Ao mesmo tempo, a bolsa de valores continua regredindo, retornando a níveis de dois anos atrás. E o dólar patina, por excesso de oferta. Para onde está indo o investimento externo? Teremos nos transformado no paraíso da especulação mundial? Boas perguntas para o paciente leitor fazer aos soi-disant experts em Estados Unidos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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