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A intolerância e a dificuldade de conviver com o diferente parecem estar contaminando também as relações profissionais do meio acadêmico. A negação à afinidade está se manifestando também onde, supõe-se, a interação deve diluir o desconhecimento e o princípio arrogante de uma visão única do mundo. Numa evidente demarcação de território e de reserva de mercado, concursos para professor de Economia, em várias instituições de ensino superior, estão restringindo as inscrições apenas a candidatos com formação na área específica, fechando as portas para aqueles formados em áreas afins.

Por alguma razão rejeita-se a lógica simples de que um concurso tem por objetivo avaliar se os candidatos dominam os conteúdos exigidos, mesmo que sejam profissionais com formações distintas. Esta é a miopia da ciência pura, fechada em seu próprio reduto, habitado apenas por seus representantes, onde o diálogo ocorre apenas entre iguais, num corporativismo que apenas contribui para empobrecer o campo de referência do ensino, da pesquisa e do aprendizado.

Iniciativas como essa levam a um embotamento no meio acadêmico, bloqueando a convivência de visões diferentes e sinérgicas capazes de ampliar o entendimento da própria economia como ciência social. Não nos esqueçamos de que a Filosofia é a matriz do pensamento econômico e a Economia Política sua linha de chegada, fato ignorado por aqueles que veem a Economia como ciência pura, e se esforçam para retirá-la do domínio das ciências sociais.

Esta é a miopia da ciência pura, fechada em seu próprio reduto, habitado apenas por seus representantes, onde o diálogo ocorre apenas entre iguais

Curiosamente, o tom monotemático da abordagem hegemônica passa a ser dado pela batuta dos modelos, onde surge uma estranha afinidade com ferramentas analíticas familiares às ciências exatas. Esquecem os adeptos dessa doutrina da exclusão, que nomes amplamente reverenciados como Mario Henrique Simonsen, graduado em Engenharia, e Maria da Conceição Tavares, em Matemática, para citar nomes de campos ideológicos distintos, não seriam aceitos nos concursos atuais. O mesmo pode ser dito de laureados com Prêmio Nobel de Economia, como Daniel Kahneman (psicólogo), Elinor Ostrom (cientista política), Oliver Willianson (administrador), Herbert Simon (cientista político), Frederich Hayek (doutorado em Direito e Ciência Política), para citar alguns.

Parece haver um descaso intencional de que o conhecimento depurado em compartimentos disciplinares tem sido há muito questionado por grandes pensadores da filosofia da ciência, para quem o caminho está na interface entre seus diferentes ramos. Ademais, o corpo docente dos cursos de Economia de muitas instituições já conta com uma ampla diversidade de profissionais, envolvendo engenheiros, arquitetos, sociólogos, administradores, etc., sem que a qualidade do ensino e da pesquisa na área seja prejudicada. A convivência interdisciplinar é um caminho fértil para o entendimento da realidade socioeconômica em sua complexidade, como demonstrado pela chancela de instituições de credenciamento e fomento.

Ao se negar a Economia como ciência social está se impondo uma mordaça no diálogo entre profissionais e áreas de conhecimento, restringindo o ensino e a pesquisa a uma visão pasteurizada dos problemas da sociedade moderna. Nesses termos, a pobreza não é um fenômeno apenas econômico, assim como os desafios ambientais não serão compreendidos e vencidos apenas por modelos econométricos. Como falar das desigualdades regionais e dos problemas sociais sem recorrer ao geógrafo Milton Santos, e de fome sem se referir ao médico Josué de Castro?

Negar a afinidade com o diverso campo das ciências sociais é criar áreas de exclusão e esterilizar o terreno acadêmico como um ambiente de debate e produção de conhecimento. Entender nossa realidade econômica requer um olhar atento às desigualdades sociais que a história nos legou e que continuam desafiando as ciências sociais, das quais os economistas não podem se divorciar. Essa é uma agenda muito mais nobre do que simplesmente vigiar a porta de entrada no campo profissional.

Nilson de Paula é professor sênior do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UFPR.
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