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A saída do deputado Ciro Gomes da disputa presidencial comprova uma aliança contra o instituto dos dois turnos na eleição presidencial. Uma espécie de conspiração de dois lados: as pressões dos grandes partidos para eliminar a identidade e liberdade dos pequenos, atraindo-os para alianças desde o primeiro turno, e a opção da mídia para priorizar aqueles que, desde o início da pré-campanha, estão bem nas pesquisas. E, acima de tudo, não representam ameaça de mudança no rumo das prioridades sociais e das bases da economia.

Essa é uma maneira de driblar a Constituição. Limita-se a participação do povo apenas ao voto. Participar é escolher quais serão esses dois candidatos; votar é escolher entre os candidatos apresentados. No primeiro turno, o eleitor escolhe o candidato mais próximo do que ele deseja; no segundo, vota naquele menos distante. Em vez disso, está sendo montado um sistema no qual os eleitores não participam, apenas votam entre os escolhidos pelas alianças prévias, pelos institutos de pesquisas e pela mídia.

Esse processo leva ao fortalecimento de dois grandes blocos, com o impedimento de propostas novas, com a exclusão dos candidatos alternativos. O caso de Ciro é um exemplo. Nenhum candidato alternativo (inclusive o autor deste artigo, nas eleições de 2006) chegou perto de ameaçar os dois primeiros. Ciro ameaçava. Especialmente sem Lula no cenário eleitoral, e com dois principais candidatos pouco inspiradores. Ciro tinha claras chances de chegar ao segundo turno, mesmo sendo de um partido menor.

Sua presença na disputa provocaria um debate que não interessava, e agora não vai ocorrer. Era preciso tirá-lo do páreo. Os dois principais candidatos vão se concentrar naquele que errou menos nos últimos 20 anos, inclusive Itamar, que ambos representam, e não em qual acerta mais com suas propostas para o futuro.

Serra e Dilma são confiáveis ao sistema. Nada mudará, qualquer dos dois que seja eleito. Ficarão iguais as prioridades no uso dos recursos do Orça­­mento e as bases da economia. O futuro do Brasil não será o resultado de nenhuma reorientação, apenas da continuação de pequenos ajustes.

O sistema aprendeu em 1989: Covas, Ulisses e Brizola perderam no primeiro turno. Tanto Lula quanto Collor representavam riscos. Optaram pelo menos arriscado e, ainda assim, cassaram o eleito. Nunca mais deixaram o risco acontecer. Em 1994 e 1998, FHC ganhou no primeiro turno. Em 2002, um Lula confiável foi ao segundo turno, venceu e comportou-se como o sistema desejava. Sua genialidade política, sua liderança, seu neoglobalismo popular – ou neopopulismo global – permitiram combinar os interesses contraditórios da sociedade, porém sem modificá-la. Uma prova da unidade dos candidatos do sistema é que foi preciso o alerta de Ciro sobre a crise cambial e fiscal que pode vir adiante.

Em 2006, todas as alternativas foram anuladas: Heloísa chegou com apenas 6,85% e o autor deste artigo com apenas 2,64%. Antes disso, o Dr. Enéas – com estilo esquisito, mas conteúdo lúcido – foi ridicularizado da mesma maneira que todos os outros que não estavam na frente, inclusive Ciro, apesar de um eleitorado em torno de 20 milhões de brasileiros.

Ciro tentou, como outros de nós, também. Não ganhamos, mas tentamos. Falta ver o que as pesquisas dirão sobre Marina, Plínio e os outros candidatos que consigam se manter: Américo de Souza (PSL), Zé Maria (PSTU), Oscar Silva (PHS), José Maria Eymael (PSDC), Rui Costa Pimenta (PCO), Levy Fidelix (PRTB) e Mário Oliveira (PTdoB), cada um por sua contribuição ao debate.

Cristovam Buarque, professor da Universidade de Brasília, é senador pelo PDT/DF

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