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Muito se fala dos novos institutos da colaboração premiada e da leniência. Algumas poucas vezes com real interesse acadêmico; muitas vezes, na defesa de interesses, seja os das defesas de investigados nelas mencionados, seja do próprio Ministério Público. Ainda assim, tais manifestações sempre são úteis para informar a população.

Além de legais e morais, a colaboração premiada e a leniência são essenciais ao combate de crimes do colarinho branco

Delação e tortura institucionalizada

A prova testemunhal, desde os tempos mais remotos, sempre foi vista com reserva pelos mais variados povos e civilizações. Muitas também foram as vítimas da perversidade e injustiça, pois a testemunha, aliada aos interesses do monarca ou detentor do poder que tinha a força discricionária suprema, poderia levar pessoas a perder suas vidas, liberdade e patrimônio

Leia o artigo dos advogados Luciano Borges e Samir Mattar Assad

A colaboração premiada pode ser vista sob duas óticas. Primeiro, é uma nova técnica que permite atalhar as investigações criminais, e assim alcançar mais rapidamente o recolhimento de provas materiais que geram acusações criminais e recuperação de valores. Por outro lado, trata-se de um recurso de defesa dos investigados, inclusive das empresas envolvidas, que negociam sua situação jurídica de imediato. Não se pode minimizar este último aspecto. Enquanto as pessoas resolvem seu futuro, evitando a contínua tensão de um procedimento criminal longo e de consequências imprevisíveis, as pessoas jurídicas alcançam a delimitação rápida de sua responsabilidade, o que lhes diminui o risco de mercado, permitindo que voltem ao mercado financeiro.

Porém, seja como técnica investigativa, seja como recurso de defesa, há críticas injustas aos institutos. Não vou aqui voltar à tantas vezes discutida eticidade do acordo. Trata-se de um enorme sofisma. Como diz Vladimir Aras, a quebra ética do colaborador ocorre quando este decide pela conduta criminosa, sendo, em verdade, o acordo de colaboração o retorno deste ao mundo da legalidade. Não há qualquer obrigação moral na omertà. Pelo contrário, o sistema jurídico não alberga a ética entre criminosos, reconhecendo em diversos outros institutos, como na confissão, benefícios aos que abrem mão ao direito ao silêncio.

Outra crítica totalmente improcedente é a da utilização da prisão cautelar para alcançar acordos. Tratando-se de um recurso válido de defesa, pessoas presas, ou que sofram restrições patrimoniais cautelares, têm um interesse claro em alcançar o acordo. Mas, em um universo de 28 acordos de colaboração premiada celebrados até o momento, apenas seis foram com pessoas presas – menos de 22% do total. A tendência é a de privilegiar os acordos com pessoas não presas, pois aquelas já custodiadas possuem culpabilidade exacerbada, e cuja prova de responsabilidade sobre os fatos já se encontra totalmente satisfeita.

Aqui cabe lembrar um aspecto importante das colaborações. Cada colaborador deve não só confessar os fatos criminosos, mas especialmente revelar fatos novos, que possibilitem avanços investigativos. Valora-se para o acordo este último aspecto, pois mais benefícios são possíveis ao colaborador quanto mais fatos novos sejam revelados. Chamamos isso de teoria do dominó, em que cada colaboração/leniência deve gerar a “queda” de novos atores e empresas.

A população deve ficar tranquila, pois em relação a cada fato criminoso dificilmente haverá mais que dois ou três colaboradores. A quantidade de colaborações até agora indica, portanto, novos fatos criminosos, e que levaram a Lava Jato, da investigação de um e-mail tratando de um Evoque adquirido por Alberto Youssef para um desconhecido diretor da Petrobras, para a descoberta de bilhões de dólares em corrupção nessa estatal, bem como ilícitos em outros órgãos, como a Caixa e a Eletronuclear. Além disso, os acordos de colaboração e de leniência têm a capacidade de alcançar a reparação rápida do patrimônio público, resultando em recomposição em um nível nunca visto na história da República. Hoje temos já cerca de R$ 1,7 bilhão de reais prometidos por colaboradores e empresas com leniência.

Assim, ambos os institutos, seja o de colaboração premiada, com mais de dez anos de uso efetivo, quanto o da leniência, surgida recentemente com a legislação contra os crimes econômicos e de combate à corrupção, são comprovadamente, além de legais e morais, essenciais ao combate de crimes do colarinho branco, especialmente o de corrupção, cometidos por poderosos em detrimento de toda a população. Corrupção, sempre é bom lembrar, mata.

Carlos Fernando dos Santos Lima é procurador regional da República.
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