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Quaisquer que sejam os vencedores da eleição de hoje, uma coisa é certa: se as pesquisas de opinião não estiverem escandalosamente erradas, as oposições vão ter de encontrar novos caminhos para chegar às mentes e aos corações dos eleitores. Afinal, apesar da honestidade aparecer nas pesquisas sistematicamente como a maior exigência da população em relação aos seus governantes e representantes, metade dos eleitores não se sensibilizou nem com as evidências gritantes de corrupção em largas áreas do governo e do Congresso, não demonstrou qualquer preocupação com a qualidade ética e moral do círculo mais íntimo do poder nem encontrou razões para protestar contra o mau destino dado aos seus sofridos impostos. Todas as evidências de que hábitos altamente heterodoxos, para dizer o mínimo, em matéria de gestão, haviam se instalado em lugares privilegiados das estruturas públicas caíram no vazio, não porque fossem inconsistentes ou falsas – muito pelo contrário – e sim porque a população não demonstrou qualquer indignação com o que estava ocorrendo.

Que terá acontecido? Em 1954, acusações de que seu governo protegia Samuel Wainer financiando o jornal Última Hora acabaram levando Getúlio Vargas ao suicídio, por se mostrar incapaz de se livrar dos respingos do "mar de lama" de que falavam Carlos Lacerda e as lideranças oposicionistas. E Fernando Collor começou a cair quando se descobriu que havia comprado uma caminhonete Elba com dinheiro suspeito. Não estou dizendo que esses políticos foram vítimas de alguns poucos fatos isolados, magnificados pelas oposições; apenas, quero chamar a atenção para o fato de que sua derrocada começou ou se tornou incontrolável em função de episódios relativamente menores. Ou alguém de duvida que, em comparação com Duda Mendonça, Samuel Wainer era um "mordedor" amador ou que, em face do mensalão e do valerioduto, Fernando Collor era pouco mais que um trombadinha deslumbrado com as facilidades do poder?

Há quase três anos, o companheiro Waldomiro Diniz, ex-colega de moradia e confidente do então todo-poderoso José Dirceu, inaugurou a série, ao ser flagrado achacando um bicheiro. De lá para cá, abriu-se uma Caixa de Pandora de onde escapam continuamente uma multidão de fatos mal-explicados e de personagens nebulosos. Tudo isso caiu no vazio. Conclusão: se pretende continuar a conquistar adeptos para suas causas, as oposições têm de aceitar que a função tradicional que lhes compete em todo o mundo de cobrar dos governantes e de seus parceiros íntimos, respeito pelo dinheiro público e exação, simplesmente não funciona mais no Brasil.

E por que não funciona? Porque as oposições parecem não ter entendido que o Brasil é hoje uma democracia de massa com 135 milhões de eleitores, 12 vezes mais do que os 11 milhões que votaram na eleição que levou Jânio Quadros ao poder em 1960 com pouco mais de 6 milhões de votos. A despolitização coletiva do eleitor brasileiro é um fenômeno de proporções deprimentes e, a julgar pelas pesquisas do Instituto Anísio Teixeira, é absolutamente provável que mais de 100 milhões deles sejam incapazes de ler e interpretar informações sobre assuntos minimamente complexos. A televisão é um veículo poderosíssimo que chega às casas desses 135 milhões de eleitores e com ela a população aprende sobre as agruras dos personagens das novelas, sobre os velhos e os portadores da Síndrome de Dow, comove-se com os dramas humanos mostrados nos programas religiosos, diverte-se com o futebol e o humor e pára por aí.

Elitismo! Elitismo! bradará imediatamente a atenta patrulha ideológica pronta para pespegar um chavão nas opiniões que não lhe são simpáticas. Antes de reagir, seria bom que a patrulha consultasse os dicionários para aprender que a palavra "elite" tem a mesma etimologia de "eleitos". A elite de que estou falando não é a camada rarefeita da população, egoisticamente interessada em manter seus privilégios, e sim aquele grupo indeterminado de eleitos pela confiança das pessoas manifestada nas urnas, mas também pela respeitabilidade que adquiriram, pelo respeito ao que é dos outros e especialmente o que é de todos, pelo conhecimento de que dispõem, pela fé dos que crêem neles, pela providência divina ou por qualquer outro meio para conduzir, orientar, guiar as sociedades em suas escolhas.

George Bernard Shaw coloca na boca de um personagem do "Homem e Super-Homem" seu desencanto com o "piedoso costume inglês de achar que o mundo é uma academia de ginástica que se freqüenta para fortalecer os sentimentos morais". Infelizmente ele tem razão, mas não é preciso exagerar: o mundo também não precisa ser povoado apenas de Gilbertos Gils, para quem a corrupção não impede a cidadania, nem de artistas formadores de opinião como Paulo Betti e outros (argh!) intelectuais que demonstram total intimidade com o manuseio da merda na vida pública como se estivessem plenamente à vontade com o mau cheiro. Essa turma pensa que é, mas está longe de ser a elite de que necessitamos.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do mestrado em Organizações e Desenvolvimento da FAE e membro da Academia Paranaense de Letras.

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