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Ilustração: Fábio Abreu
Ilustração: Fábio Abreu| Foto:

Mais do que nunca, as relações familiares em nossa sociedade têm seu fundamento em decisões pessoais livres. O divórcio, legalizado há 42 anos no Brasil, é uma escolha cada vez mais frequente – entre 1984 e 2016, a proporção de divorciados em relação ao número de casados mais que triplicou, segundo o IBGE. Ter filhos é hoje uma opção do casal, não uma decorrência natural de seu relacionamento. Assim, o triunfo da autonomia individual vem alterando significativamente as características das famílias.

O resguardo da esfera privada nas democracias liberais é aspecto fundamental nesse processo, condição indispensável para a garantia das liberdades individuais. No entanto, no que diz respeito às relações familiares, ainda que privadas, algumas escolhas têm relevantes repercussões públicas e, por isso, não podem ser indiferentes para os governos. O exemplo mais eloquente disso é a educação das crianças.

A família tornou-se motivo de conflitos ideológicos e, portanto, um elemento de desagregação na esfera pública

Desde 2011, a ONU aprovou algumas resoluções exortando os Estados-membros a promover políticas de apoio à família como ferramentas para o desenvolvimento social. Em concreto, recomenda-se a implementação de ações centradas na família para a redução da pobreza, a promoção das relações intergeracionais, a conciliação trabalho-família e o desenvolvimento da parentalidade. Não se trata de impor nenhum modelo familiar pré-concebido, mas de apoiar as famílias no cumprimento de algumas de suas funções mais básicas, como as tarefas de cuidado e a educação.

Há evidências consistentes de que esse apoio é estratégia bem-sucedida para estruturar políticas públicas. Por exemplo, vários governos europeus, preocupados com o acentuado envelhecimento populacional e as baixas taxas de natalidade, estão expandindo o amparo estatal concedido às famílias. É o caso de Portugal, onde ocorre um amplo debate público sobre como apoiar a decisão dos casais de terem filhos. A China aboliu a política do filho único e rebatizou suas ações de “planejamento familiar” para “desenvolvimento familiar”.

Nossas convicções: O valor da família

Leia também: Por que a família é essencial para a sustentabilidade de todo o sistema social? (artigo de Lígia Miranda de Oliveira Badauy, publicado em 19 de outubro de 2018)

Um exemplo mais próximo à realidade brasileira é o da África do Sul, onde existe um programa de transferência de renda parecido com o Bolsa Família, no qual exige-se da família a participação em ações de formação da parentalidade. Uma consequência positiva é a maior participação dos homens no cuidado das crianças.

No Brasil, o debate sobre o tema ainda é bastante precoce. A família tornou-se motivo de conflitos ideológicos e, portanto, um elemento de desagregação na esfera pública. Como consequência, apesar de ser assunto recorrente em discursos políticos, raramente ganha respaldo com propostas efetivas.

Entretanto, vários desafios nacionais, como o combate à pobreza, a busca de qualidade na educação, a promoção da saúde e do bem-estar das crianças, a igualdade de gênero e a prevenção da violência, poderiam ser enfrentados com ações centradas nas famílias. Políticas voltadas ao fortalecimento das funções familiares, orientadas pelas recomendações da ONU e pelas evidências científicas disponíveis, poderiam nos ajudar neste caminho.

Rodolfo Canônico, especialista em Políticas Públicas para a Família pela Universidade Internacional da Catalunha, é fundador e diretor-executivo de Family Talks, que apoia políticas públicas de fortalecimento das famílias em favor do desenvolvimento social.

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