Programas de compliance, como se sabe, são elaborados e construídos a partir de um diagnóstico prévio da empresa que o reclama, de uma matriz de riscos detalhadamente elaborada à luz do “core business” respectivo e, finalmente, com a implementação adequada e proporcional ao caso concreto dos elementos previstos nos respectivos regulamentos. Seu objetivo central, portanto, é dar segurança ao negócio, ou seja, é permitir que a empresa tenha velocidade no processo de tomada de decisão e, via de consequência, competitividade, sem colocar em risco a sua reputação ou, até mesmo, a sua própria existência. O compliance, assim, serve para colocar óleo, jamais areia nas engrenagens da empresa, funcionando como um verdadeiro parceiro do negócio rentável e seguro.
Se o nível dos controles internos de uma empresa está em desacordo com as suas necessidades, das duas uma: ou o diagnóstico prévio foi realizado de modo equivocado ou a matriz de riscos não foi devidamente elaborada. Falhas nesse sentido podem gerar efeitos profundamente prejudiciais, deixando a empresa exposta a riscos iminentes ou, então, gerando uma demasiada burocracia corporativa e, assim, travando suas operações.
Erros cometidos de boa-fé não caracterizam violação de integridade e, por isso, não podem levar à aplicação de uma sanção disciplinar.
Falhas dessa natureza, em verdade, são decorrentes da atividade de um profissional desprovido do devido preparo que, ao final, entrega à empresa mais controles do que eram necessários . Não se pode, por isso, falar em “excesso de compliance” ou mesmo de “overcompliance”, mas sim, nas palavras de Alan Prado, em um “misconstructed compliance”.
Artigos recentemente publicados, aliás, chegam a apontar que esse suposto excesso seria uma decorrência das políticas de prevenção à lavagem de dinheiro exigidas pelas autoridades públicas, as quais trazem normativos complexos e pouco taxativos. Entretanto, em casos tais, o criticado excesso, mais uma vez, não seria do compliance em si considerado, mas sim do “enforcement” que, também por essa razão, precisa ser constantemente revisitado para que permaneça sempre devidamente atualizado.
O papel de um compliance officer não é o de evitar riscos a qualquer custo, mas sim o de fazer com que a empresa se exponha aos riscos que são inerentes ao negócio com a devida segurança. Paracelso já dizia que a diferença entre o antídoto e o veneno está na dose – se o paciente morre porque a substância foi mal ministrada, o defeito, por óbvio, não está na técnica existente para enfrentar o mal, mas sim em quem a aplicou.
A palavra “overcompliance” tem sido utilizada, infelizmente, com o intuito de desmerecer a técnica do compliance e de levar à empresa ao autoengano em um processo de tomada de decisão de descartá-lo em suas operações. O grande problema a ser combatido, na verdade, é o desvirtuamento da integridade corporativa (o que, por analogia ao moralismo, pode ser denominado “integritismo”, nas palavras do professor Leo Huberts, da Universidade de Amsterdã).
Erros cometidos de boa-fé não caracterizam violação de integridade e, por isso, não podem levar à aplicação de uma sanção disciplinar. A indefinição entre o que é certo e errado pode ter consequências muito negativas para as empresas, pois os colaboradores podem tornar-se sobremaneira temerosos em assumir riscos e, assim, ficarem paralisados diante da percepção de que cometer um erro pode levar a uma investigação que venha a questionar a sua integridade.
É esse tipo de exagero que pode levar à exclusão de profissionais do mercado de trabalho e à paralisia decisória no âmbito de uma organização. O “overcompliance” (se é que ele existe) é facilmente superado pela contratação de profissionais qualificados; já o “integritismo” depende do fomento e da manutenção de uma cultura de integridade corporativa. Caminhemos, pois, no sentido correto e não no sentido deturbado de expressões que nada significam.
Marcelo Zenkner é head da área de Direito Administrativo e Projetos Governamentais TozziniFreire Advogados.
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