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Foi preciso passar pelo túnel da desmoralização mais abjeta da pior legislatura de todos os tempos, com a coleção de recordes de escândalos, denúncias de corrupção apuradas pelas CPIs que deram em nada, pela Polícia Federal, Promotoria Pública, Procuradoria-Geral da República para que o Congresso, como doente nos estertores de moribundo internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e sob a pressão da opinião pública, do pito do arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, e dos protestos à porta, em meio à algazarra de botequim buscasse a inspiração do último neurônio para fechar a trégua, recuperar o fôlego e o juízo e transferir para 2007, com o plenário renovado, a solução para a crise ética que corrói a sua autoridade moral como cupim em madeira podre.

O espetáculo final de desatino do plenário sem líderes, ignorados no estouro das bancadas, com as mesas diretoras da Câmara e do Senado passando de uma para a outra a batata quente de uma decisão, a proposta da transferência do ananás para depois do recesso foi a saída mágica da cela do vexame.

E, no sufoco do beco, a troca de desaforos esgotou o estoque das ofensas cruzadas e buscou o desvio óbvio do enquadramento do impasse na revisão ampla das distorções que se empilham na torre torta de um dos melhores empregos do mundo, com as mordomias, vantagens, truques, trampas que multiplicam os subsídios por mais de nove vezes, acima dos R$ 100 mil mensais.

Foi um erro crasso, de ganância obtusa, a tentativa de equiparar os subsídios parlamentares ao teto dos vencimentos fixado pelos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) às vésperas das férias natalinas. O salto acrobático de 90,7% dos atuais R$ 12.847 para os R$ 24.500 esguichou gasolina na indignação popular. E o Congresso não agüenta a rebelião do voto.

O resto é sabido e comemorado, com o pé atrás para não desativar a vigilância durante a suspensão temporária das atividades. Pois o desfecho do confronto entre o eleitor e o Legislativo reclama a permanente atenção para que não deságüe num acerto de compadres.

Na angústia do cerco, um dos argumentos poderosos para o adiamento da decisão para o Congresso renovado (para pior ou para melhor?) apelou para a necessidade de extirpar o mal pela raiz, com a revisão da cascata das mordomias.

Por aí, estaremos no bom caminho. Nele tenho tentado dar alguns passos, com o risco de entediar o leitor. O Congresso de austeridade e modéstia que freqüentei no Rio durante 12 anos, até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, enfrentou os desconfortos de uma cidade em obras. JK não podia esperar um dia além da posse do embirutado Jânio Quadros, em 15 de março de 1961, de olho grande na reeleição em 65.

Para amolecer as resistências do corpo mole, o maneiroso Juscelino apelou para o argumento das vantagens: dobradinha dos vencimentos para os funcionários, mansões para os ministros do STF e tudo – este mundo e o outro – para os parlamentares.

O rosário foi sendo montado conta por conta: como pouquíssimos mudaram para Brasília com a família, os que desprezaram os apartamentos foram mimoseados com a opção dos R$ 3 mil para as diárias dos hotéis. E claro, as quatro passagens aéreas para o fim de semana com a família no seu estado. A torneira jamais foi fechada. Inundou de mordomias as contas dos marajás. Dos R$ 50.815 da verba de gabinete para a contratação de até 50 assessores (se todos comparecerem à mesma hora, não cabem em pé nos gabinetes individuais mais modestos) aos disparates dos R$ 51.216 por ano para selos e telegramas.

Mas o diamante da coroa é a verba indenizatória, alcunha de salário indireto que não paga Imposto de Renda, de R$ 15 mil mensais para ressarcir as despesas de suas excelências nos quatro dias do fim de semana espichado e que encurta para dois a três dias, das terças às quintas, a estafante semana útil da maioria absoluta dos parlamentares. O primeiro galho podre a ser cortado.

E este milagre que o Congresso anuncia para o próximo ano, se a opinião pública sustentar a sua vigilante indignação. É ver para crer.

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