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Ouvi, estarrecido, as gravações das conversas telefônicas entre o Min. Paulo Medina e seu genro, envolvendo o concurso para ingresso na magistratura do Paraná. É imperioso investigar os fatos e não se pode formular nenhuma conclusão sem o exaurimento de um processo administrativo, que apure a existência ou não de fraude no concurso. Mas a questão essencial não é essa. Não cabe discutir apenas se houve favorecimento indevido – tema que será solucionado à luz da investigação a ser realizada.

O essencial reside na presença de indícios inquestionáveis de ausência de observância a princípios éticos por parte do candidato. Partindo do pressuposto de que as gravações divulgadas refletem a realidade dos fatos, a conduta do candidato a juiz foi absolutamente incompatível com a função pretendida. Não se discute, nesse ponto, o seu "conhecimento", mas o seu "caráter".

É perfeitamente provável que o candidato dominasse todos os conteúdos jurídicos necessários a ser aprovado num teste de conhecimento. É perfeitamente possível que o candidato tenha obtido aprovação por seus méritos de conhecimento.

Mas é inquestionável, a partir das gravações, que o candidato se dispôs a invocar a influência de uma autoridade externa para influenciar os membros da Comissão. É inquestionável, a partir das gravações, que o candidato pretendia obter vantagens indevidas. É in-questionável, a partir das gravações, que o candidato desconhecia o limite da ética – a ponto de indagar ao sogro se a sua conduta não seria "meio anti-ética". Uma pessoa que ignora a diferença entre ética e não ética, que supõe possível existir conduta "meio anti-ética", não pode ser investida na função de magistrado.

O provimento na magistratura exige não apenas requisitos essenciais de conhecimento jurídico. Também demanda uma especial têmpera pessoal. O magistrado, por inerência, deve ser titular de um caráter inquestionável. Como reserva moral da Nação, a magistratura não pode albergar pessoas de conduta duvidosa.

O concurso público para ingresso na magistratura destina-se não apenas a verificar o conhecimento do candidato, mas também é uma oportunidade formal de apuração de seu caráter.

No caso concreto, os fatos divulgados evidenciam mais sobre o caráter de um candidato do que sobre o seu conhecimento jurídico. Sem duvida, é necessário investigar se o candidato dispunha do conhecimento jurídico necessário a ser aprovado no concurso. Mas os fatos bastam para evidenciar forte indício da ausência de requisitos de caráter para integrar a magistratura.

Com o respeito devido, a solução reside em instaurar processo administrativo para a revisão do ato administrativo de homologação do concurso, tendo em vista a divulgação de fatos novos. Tomando em vista o conteúdo das gravações e em havendo a comprovação de sua autenticidade, a única solução jurídica será a anulação parcial da homologação do concurso e de seu resultado. Caberá reprovar o candidato, não por questões atinentes ao seu conhecimento, mas pela comprovação de conduta incompatível com a dignidade do cargo de magistrado.

Marçal Justen Filho é doutor em Direito e foi professor titular da Faculdade de Direito da UFPR de 1986 a 2006.

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