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Houve um tempo, lá pelos idos de l937, que me dediquei à visitação médica no afã de propagar certas marcas farmacêuticas. Eram os laboratórios Eutherápico Nacional, Thebra e Mauricio Vilela, remanescentes de uma indústria que a concorrência externa viria absorver ou exterminar.

A atividade exigia a sistemática visita médica, desempenhada tradicionalmente por acadêmicos de medicina. E, justo esse trabalho, quando estava no "pré-médico", eu passei a fazer.

Era uma vasta peregrinação por consultórios, farmácias e drogarias procurando e visitando médicos, conhecendo-os em seus exercícios, sentindo-os em suas atividades, trabalhos e maneiras. Havia-os de todas as formas, simpáticos e atenciosos, educados e acessíveis, havia-os também "importantes" e desagradáveis.

Os consultórios localizavam-se junto às farmácias, beneficiárias naturais de seus receituários. Alguns eram repletos, os dos grandes nomes e consagrados professores; outros vazios, os dos recém-formados, dos menos conhecidos e dos malsucedidos.

No sobrado da "Internacional", na esquina da Rua XV com a Dr. Muricy, atendiam Virmond Lima, Bley Zornig, Duílio Calderari, Cerqueira Lima e Waldemar Monastier.

Mais abaixo, na "Lanzeti da Praça Zacarias", o professor Miguel Isaacson, que destacava sua ginecologia com viagens de estudos pela Europa. Nos altos da "Tiradentes" do polonês Kuno Klemann atendiam o catedrático Francisco Franco e Alexandre Dobrowolski, conterrâneo do farmacêutico.

Entre a "Minerva" e a "Stelfeld" os doutores Moacyr Tadei Rocha, Dante Romanó, Eurípides Garcez do Nascimento, Felisberto Farracha, Haroldo Beltrão, Aluízio França, Alô Guimarães, Manoel Pereira da Cunha e Lafayete Vianna.

Na "Tell", da Rua XV, Mario Braga de Abreu ensaiava a escalada para o mito ao lado de Joaquim de Paula Braga, Dante Luiz Junior, Oscar Espindola e Sinke Ferreira. As consultas variavam de 10 mil a 20 mil réis, salvo os tratamentos venéreos, sujeitos a orçamentos mensais ou trimestrais, de acordo com a cura e a cronicidade. Não havia hora marcada e as recepcionistas e enfermeiras eram raras.

Na "Aliança", da Rua Emiliano Perneta com a Visconde Nácar, clinicavam Benedito Amorim no térreo e o jovem pediatra Pio Taborda Veiga no primeiro andar. Pouco além, na esquina com a Comendador Araújo, a farmácia "Santa Helena" abrigava o consultório do lapiano Eduardo dos Santos Lima.

A "Avenida", branca, esmaltada, convencional, com enormes balões coloridos anunciava Carlos Heller, o prefeito; Carlos Moreira, otorrinolaringologista; Mendes de Araújo, protologista, e Eugenio Lopes, cardiologista.

No sobrado da "Sanitas", na Rua XV, o professor João Vieira de Alencar, com valiosos títulos trazidos do exterior, aumentava a clínica e alargava a projeção. A "Humanitária" tinha o prestígio de Archimedes Cruz, professor de farmacologia. A "Sommer" da Riachuelo era endereço do cirurgião Antonio Amarante, nome de Casa de Saúde na Marechal Floriano.

No Instituto da Criança, à Rua Comendador Araújo, atuavam os pediatras Raul Carneiro e Ito Carias de Oliveira. A Casa de Saúde São Francisco era representada pelo dr. Jorge Meyer Filho, seu diretor. Na "Ideal" da Marechal Deodoro, havia o mestre João Candido Ferreira e Miguel Couto do Paraná, rodeado de seus filhos: Alceu, que me atendeu menino; Leônidas, que me extirpou as amígdalas, e Murilo que me ensinaria clínica médica. Outro Ferreira, o Celso, reunia numerosa clientela nos altos da "Popular", na Rua Marechal Floriano, do Caetano Carrano. Na mesma farmácia, mais tarde "Galeno", atuaram Victor Ferreira do Amaral Filho, professor de obstetrícia, Joaquim de Matos Barreto, José Seiler Giglio, Victor Gutierrez e o venereologista Astopho Di Pino, com seu anúncio luminoso verde e vermelho. A "Assistência Médica Cruzeiro do Sul", do dr. Ari Taborda, primeiro convênio do Paraná, pontificava na Rua Claudino dos Santos.

Na "América", esquina da Rio Branco com a André de Barros, encontrava-se Ginés Gebran e na "Guaíra" da Marechal Floriano, o clínico Edwino Tempski. A "André de Barros", na Rua Muricy, reunia João Alfredo Silva, Mário de Barros, Mathias Piechnick, Oziris Rego Barros e Heleno da Silveira. Na "Moderna" da Riachuelo o reumatologista Adalberto Scherer, Manoel Pinho e Nivaldo de Almeida Junior.

Distante das farmácias, em vários pontos da cidade, havia ainda Chagas Bicalho e João Baptista Milla, na XV; Máximo Pinheiro Lima, na Praça Carlos Gomes; Loureiro Fernandes e Bernardo Leinig, na José Loureiro; Orlando Lobo, na Trajano Reis; e César Perneta, na Praça Osório.

Esses são os médicos que visitei com Novosan, Davy-Calcium, Glucalbet, Acetaliquido, Cynaron e Hoxiobi, produtos que jamais receitei, desaparecidos antes de me formar. Além de amostras, entregava literatura, calendários e mata-borrões. Entrementes, propagavam-se alternativas para a dor de cabeça: Cafiaspirina, Guaraina, Fontol e Melhoral, que era melhor e não fazia mal. Todos desapareceram com o tempo, sem deixar similares.

Os médicos aprimoraram seus consultórios, próprios e pessoais, subindo-os para os andares dos edifícios em multiplicação. As farmácias aboliram a tradição do branco, em troca de novos tons, estendendo o ramo para a perfumaria. Perseveram meus colegas. Com suas visitas, pastas e amostras, cruzando os mesmos caminhos que percorri. Desapareceram os mata-borrões, inúteis com o advento das esferográficas surgidas na década de 40, dispensando tintas e tinteiros.

Lauro Grein Filho é médico, presidente da Cruz Vermelha do Paraná e do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.

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