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Contrariando os prognósticos do meu pediatra, comecei a andar
| Foto: Pixabay

Nasci com sangramento no cérebro, o que fez com que eu desenvolvesse um tipo de paralisia cerebral conhecida como quadriplegia espástica, que afeta os braços e as pernas. No início da infância, recebi tratamento médico inadequado por causa da instabilidade da minha vida familiar. Quando eu tinha 7 anos, a Justiça concedeu minha guarda à minha avó por parte de pai, e foi quando minha vida melhorou.

Nem imagino o que deve ter sido para ela na época – aos 67 anos, quando deveria estar aproveitando um pouco da vida, depois de sua contribuição à sociedade – assumir a responsabilidade de criar uma criança, deficiente ainda por cima, em uma sociedade capacitista.

Apesar dessas circunstâncias, minha avó fez questão de me oferecer a melhor chance de sucesso em um mundo que insistia em ver gente como eu com maus olhos. De fato, ela não tomava conhecimento das barreiras à nossa frente e me transmitiu a garra que tinha para encará-las e superá-las.

Minha avó me inscreveu na fisioterapia, cujas sessões eu recebia na escola e em uma clínica algumas vezes por semana. Não demorou muito e já saí de andador, e depois de muletas. Meu caminhar era terrível, já que minhas pernas eram dobradas e meu calcanhar, elevado; minha postura deixava muito a desejar, mas, mesmo assim, achava maravilhoso ter aquele tipo de mobilidade, ainda que limitada, especialmente quando pensava em todas as outras coisas que não podia fazer, como amarrar o cadarço do sapato. Minha avó, porém, tinha ambições maiores para mim e minha vida com paralisia cerebral: queria que eu soubesse se haveria alguma possibilidade de percorrer distâncias curtas sem o auxílio de equipamentos.

A sensação de fazer esse movimento – que meu corpo supostamente tinha me negado – era indescritível

A certa altura, fomos ver meu pediatra. E ele não pôde ser mais explícito ao dizer que, se aos 7 anos eu ainda não andava, não iria mais fazê-lo. Ele não estava totalmente errado ao pensar assim, porque, toda vez que eu tentava ficar de pé e me sustentar, caía quase que imediatamente. Seu prognóstico foi baseado no que é comumente chamado de "modelo médico", que, entre outras coisas, resume a condição ao corpo do indivíduo. É altamente quantitativo, usando dados empíricos sobre o organismo para chegar à descrição de uma deficiência específica. Nem preciso dizer que os meus não eram lá grande coisa.

Minha avó ficou furiosa com a consulta e, quando estávamos saindo do consultório, me olhou bem nos olhos e disse algo que desde então se tornou meu mantra pessoal: "Não permita jamais que alguém lhe diga que não pode fazer alguma coisa". Nossa determinação ganhou novo fôlego. Depois disso, todo dia ela me colocava para fazer exercícios para melhorar minha mobilidade. Colocava duas cadeiras separadas por alguns centímetros e me fazia tentar andar de uma para a outra. Foram inúmeras tentativas frustradas de dar um único passo, mas insistíamos nessa prática incansavelmente – e, embora parecesse ter levado anos-luz, uma hora consegui dar um passo sem cair. Não demorou para um se transformar em dois, em três, até que consegui ir de uma cadeira para a outra.

Meu treinamento depois disso passou a envolver uma distância maior entre as cadeiras. E melhorei. Embora minha forma de andar não fosse "normal", estava desafiando as expectativas do meu médico e, por tabela, o modelo médico da deficiência e seu julgamento da capacidade do meu corpo. Eu tinha feito o que parecia praticamente impossível.

Até que, um dia, descobri que tudo se acertara no meu corpo. E comecei a andar ainda mais. Dada a incapacidade dos meus músculos de manter uma postura ereta, eu tinha de continuar em frente para não correr o risco de cair. Quando estava me movimentando, era sempre de um móvel para o outro, de modo que eu pudesse me segurar. A sensação de fazer esse movimento – que meu corpo supostamente tinha me negado – era indescritível. Por mais "defeitos" que tivessem meus movimentos, eles eram meus.

Minha avó, minha irmã e o resto das pessoas à minha volta ficaram com os olhos marejados nesse dia; aqueles cujo capacitismo tinha subtons religiosos talvez tenham dito que minha superação foi dádiva divina. Pode até ser verdade – afinal, quem sou eu, como um simples homem, para desprezar tal ideia do mundo das possibilidades?

Pensando hoje no que aconteceu naquele dia, entretanto, encaro o fato de uma forma diferente, que não inclui essa linguagem de "milagres" e "curas". Não nego que o modelo médico da deficiência tenha certo grau de legitimidade; é fato que os músculos do meu corpo têm uma espasticidade que as pessoas não deficientes não possuem. Mas o tal sistema não tem monopólio sobre o conceito. Reduzir um deficiente a um conjunto de números, sem lhe permitir um âmbito mais holístico de ação, é se engajar em um tipo de desumanização legitimada por seu embasamento na ciência médica.

Não, para respeitar nossa humanidade e encarar a deficiência da forma mais robusta possível, é preciso ter sempre em mente o aspecto subjetivo, o que significa pensar nas nossas relações sociais, pensamentos, sentimentos e tudo o que há entre eles. Só assim é possível começar a entender de verdade esse fenômeno do nosso mundo a que chamamos deficiência.

Ainda sou e sempre serei deficiente: preciso transpor a vastidão do mundo de muletas, e quem me vê engajado nisso certamente fará uma série de suposições, uma mais preconceituosa que a outra. Serei desprezado por ser "defeituoso" por uns e fetichizado como inspiração por outros. De qualquer forma, serei discriminado. Mas, quando consigo me levantar desta cadeira e caminhar até o quarto, posso me deitar e fechar os olhos para tamanho preconceito durante a noite. Consigo pegar no sono, sabendo que meu relacionamento com meu corpo não me é imposto pelos outros, pelo capacitismo e suas maquinações. Faz parte da minha soberania, uma relação que defino e afirmo.

E afirmo que meu corpo é belo. Afirmo, apesar do modelo médico que me classifica como anormal e define os limites das possibilidades do meu corpo, que foi o coração de cada um daqueles que me aceitaram e exaltaram minha humanidade que me permitiu desafiar essas restrições, atravessar essas fronteiras e entrar no espaço aberto da liberdade humana.

John Altmann é escritor. Seu artigo "I Don't Want to Be Inspiring" faz parte do livro novo About us: Essays from The New York Times disability series.

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