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A implacável caricatura da cordialidade brasileira dei­­xou claro que os postulantes resignam-se às doutrinas que consideram o cidadão um completo idiota

Penúria, precariedade: estas eleições escancaram de forma incisiva nossa desgraça institucional e desvendam a palhaçada marqueteira que chegou aos grotões do país. Sobra, altaneira, a inconfiabilidade do sistema judicial.

Nada a ver com a legitimidade dos pleitos, nenhuma dúvida quanto à confiabilidade dos resultados – o Estado de Direito é respeitado nos seus fundamentos, o aparelho eleitoral funciona, fraudes são improváveis.

Nosso problema é medular – estamos patinando em equívocos. Ao longo deste ano os principais candidatos simplesmente não se enfrentaram. Quem primeiro subiu nos palanques foi aquele que garantiu que não disputaria o terceiro mandato: o presidente Lula. Sentindo-se ludibriada, a imprensa reagiu e um feroz embate entre não candidatos tomou conta do país até 10 dias atrás. Criou-se uma falsa crise para encobrir um real desequilíbrio entre os candidatos.

Evaporou-se o prometido plebiscito porque situação e oposição foram representados por "laranjas" e, nesta condição, Dilma Rousseff e José Serra sentiram-se totalmente desobrigados de dissentir, divergir, muito menos de debater. Dilma aceitou porque a oratória não é o seu forte e Serra adorou porque a rival tinha um gigante em matéria de popularidade. Os demais, Marina Silva e Plínio Arruda Sampaio, contentaram-se em dar carona e pegar carona. Para aparecer na foto.

O desfile dos presidenciáveis desta quinta-feira, na Rede Globo, foi uma exibição ao vivo e em cores de uma tremenda ficção. Os que pretendem chefiar a nação brasileira foram manipulados pelos respectivos goebells (Joseph Goebbels, chefe da propaganda de Hitler) e instruídos para não pelejar, combater ou polemizar. A implacável caricatura da cordialidade brasileira deixou claro que os postulantes resignam-se às doutrinas que consideram o cidadão um completo idiota capaz de ser levado por empatias ou antipatias fisionômicas desprovido de qualquer convicção política.

A opereta completa-se com algo mais denso, estrutural e que dá razão à famigerada definição do nosso país pelo então presidente francês, general De Gaulle: "O Brasil não é um país sério". Em 1953 cria-se o título eleitoral com foto. Em 1986 suprime-se a foto, em 2009/2010 depois de tramitar por todas as instâncias da República, decide-se que é indispensável apresentar o título eleitoral acompanhado por um documento oficial com foto. Duas semanas antes da eleição, o PT pediu a dispensa da nova prova de identidade (estava certo, diga-se).

E nesta quinta, as meritíssimas baratas tontas do STF ao invés de anular a nova obrigação acabaram com a antiga – vota-se agora com qualquer documento oficial com foto. Então por que tantos avisos da Justiça Eleitoral para que o povo obtivesse a segunda via do título eleitoral, depois nova cruzada para trazer a identificação com foto e, agora, a contra-ordem tornando dispensável um documento que existe há mais de 50 anos?

Kafka seria incapaz de explicar esta tortuosa racionalidade, Woody Allen talvez. Na verdade trata-se de uma obra-prima de realismo fantástico. Nada é para valer.

Esta que deveria ser uma hora estelar da vida política brasileira, veio esfarrapada, pífia. Agora, mais do que nunca, impõe-se a necessidade do segundo turno: estas eleições precisam ser passadas a limpo. Com políticos liberados da condição de marionetes. Com opções. Com debates, confrontos e garra intelectual.

Sem cosmética e conversa fiada.

Alberto Dines é jornalista.

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