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| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Muito se cobra dos atletas “craques” da seleção brasileira, e em especial de Neymar. Sua atuação no jogo contra a Costa Rica, com xingamentos ao juiz e aos adversários, irritação constante e depois choro, leva a uma reflexão sobre o quanto a “esperança brasileira” pode aguentar.

Pressão sobre craques sempre houve. Coincidentemente, comemoramos 60 anos da primeira conquista brasileira na Copa do Mundo, na final de 29 de junho de 1958, contra a Suécia. Naquele ano, o time da “ginga” também sofria uma pressão enorme, pois seu estilo de futebol era criticado pela perda da Copa de 1950, no Brasil, diante de um Maracanã com 200 mil pessoas. Depois, ainda viria a desqualificação nas quartas-de-final em 1954, contra a Hungria, no jogo conhecido como a Batalha de Berna, devido à pancadaria, no final,envolvendo jogadores brasileiros desequilibrados.

Uma segunda coincidência é o fato de o time atual estar sendo cobrado pelo vexame da Copa de 2014, perdida em casa, com o agravante do 7 x 1 diante da Alemanha. Em 1950, pelo fato de estar jogando aqui, a seleção achava que atropelaria os uruguaios. O excesso de confiança era o mesmo quando o Brasil dançou na roda alemã. O mesmo excesso que agora tirou a campeã do mundo já na primeira fase da disputa de 2018.

Em 2014, criticou-se muito o estilo brasileiro e exaltou-se o moderno e organizado futebol do time de Thomas Müller e Miroslav Klose. Os comentários sempre foram muito semelhantes aos da Copa de 58: “o futebol já não é mais o mesmo”, “não há times bobos”, “firula não conta, o que conta são gols”.

Em 2014, criticou-se muito o estilo brasileiro e exaltou-se o moderno e organizado futebol do time de Thomas Müller

Na terceira coincidência, o país sede da Copa de hoje lançou, em maio de 1958, o satélite Sputnik III, permitindo a transmissão ao vivo da Copa da Suécia para vários países – exceto para o Brasil, onde praticamente ainda não havia televisão. Pode-se dizer que a vitória brasileira colocou o país no mapa mundial. Nesse time estava Pelé, a grande revelação, que mais tarde seria coroado como o “Rei do Futebol”, o artilheiro de mais de mil gols, único jogador a ser tricampeão pela seleção brasileira e o embaixador do Brasil em qualquer parte do mundo. Agora, imaginem a pressão sobre um moleque de 17 anos (convocado com 16 anos – o jogador mais novo até hoje a ser campeão mundial) que, dois anos antes, ainda jogava descalço em campo de terra, com bola de meia, num bairro pobre da cidade de Bauru (SP).

Estreando mal e com jogadores contundidos, o técnico Vicente Feola só podia contar com a dupla Pelé e Garrincha no terceiro jogo, contra a União Soviética. Os craques da “ginga” acabam com a partida, vencendo por 2 x 0, com dois gols de Vavá. Depois, o Brasil passaria por País de Gales (Pelé faz o único gol) e pela França (Pelé faz três gols do 5 x 2), para fazer a final com a Suécia, vencendo por outro 5 x 2 com outros dois gols de Pelé, que saiu de lá consagrado para o resto de sua vida.

Negro, pobre, ex-engraxate, filho de mãe empregada doméstica e pai faxineiro de um hospital, sem salários milionários e sem vida de luxo. Foi levado para o juvenil do Santos com apenas 15 anos e, um ano depois, estava no profissional. Se alguns acham que a pressão atual sobre Neymar é grande, imagine como “Dico”, seu apelido, lidava com muitas formas de discriminação. Seus companheiros de 1958, com uma certa arrogância, o chamavam de “alemão”, forma sutil de desqualificá-lo diante de sua cor de pele e habilidade. O ambiente do futebol era (e continua sendo) carregado de racismo: onde negros eram chamados de “macacos” ou “crioulos” e não havia denúncia. Diferentemente de hoje, aceitava-se pacificamente essa discriminação, e Pelé é até mesmo criticado por nunca se posicionar como atleta diante desde comportamento.

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Um texto que descreve a passagem dos jogadores brasileiros pela Suécia sugere que uma criança loira se assombraria com a presença de Pelé e exclamaria, ao ouvi-lo dizer alguma coisa: “Mamãe, mamãe, ele fala!”. Pelé, assim, é comparado a um animal com a capacidade de falar! O que Neymar acharia dessa pressão?

Os vaidosos e bilionários jogadores de hoje se tornaram valiosas peças de propaganda, um produto de desejo, uma imagem a ser vendida, assumindo o que todos gostariam de ser. É certo que, para muitos, a saída da favela é vendida pelo futebol e não pela educação. Os nossos atletas-modelos ganham prêmios por vitórias acima de qualquer mortal trabalhador; alguns sonegam impostos e são perdoados. Já na Copa de 1958, o prêmio para cada jogador foi de US$ 2 mil e Pelé ganhou uma televisão, como “bicho” pela sua atuação. Maradona já mandou o recado: “Pressão? Pressão é o que sofre o cara que acorda às 5 da manhã para trabalhar e ganhar 10 pesos... não é nosso caso, que andamos de BMW ou Mercedes”.

Podemos torcer agora pelo que representa o futebol para o Brasil, mas devemos lembrar que a seleção mais importante que vamos escolher será em outubro, pelo voto. Esta é a que conta para sermos campeões em saúde, educação, igualdade social e sustentabilidade ambiental e econômica. Informe-se, tenha consciência e não coloque o time errado em campo! Sem vaidades e sem pressão.

Eloy Casagrande Jr., PhD, é professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
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