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Déficit primário do governo central deve quadruplicar por causa de coronavírus
O Viaduto do Chá, em São Paulo, vazio durante a quarentena.| Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

O que se observa no avanço da pandemia do coronavírus no Brasil é uma passividade na qual nenhum governo (federal, estadual ou municipal, denominados daqui em diante por “governos”) apresenta qualquer planejamento consistente ao combate desta patologia que pode destruir o Brasil. Não pela letalidade da Covid-19, mas pela aparente letargia e inação dos governos em todas as esferas. Não vimos, até agora, nenhum deles apresentar qualquer ideia de como combater esse vírus e, simultaneamente, tentar evitar a falência do país. Devemos analisar todos os acontecimentos em curso para entender minimamente o que está acontecendo.

Deve-se ter em mente que, para administrar esta crise, dois aspectos fundamentais devem ser considerados: as consequências patológicas causadas pelo coronavírus em si e as consequências da quarentena sobre as receitas da União, estados e municípios. Isso porque a saúde econômico-financeira das empresas (aqui representando toda a indústria, o comércio e os serviços) de todo o país depende, neste momento, da atuação dos governos.

Qualquer planejamento que se imagine deve considerar essas consequências patológicas do coronavírus com a análise da evolução diária de casos confirmados, as subnotificações, as mortes e todas as informações necessárias e pertinentes para a tomada de decisões. Paralelamente a isso, o governo deveria fazer uma análise econômico-financeira diária análoga àquela da evolução da patologia do coronavírus. O que está faltando é quantificar e divulgar os índices econômico-financeiros da mesma forma que se faz com aqueles da saúde, com gráficos, tabelas, tudo com detalhes.

Por exemplo, acompanhar a evolução diária da diminuição efetiva de todos os impostos das esferas da União, estados e municípios. Sabemos que, além dos impostos cuja arrecadação é exclusiva de cada um dos entes da federação, há muitos outros tributos que foram instituídos e são arrecadados tanto pela União quanto por estados e municípios por todo o país. Esses dados são fundamentais para que o governo possa administrar a crise e os governos devem, também e principalmente, estabelecer um limite crítico nesta diminuição na arrecadação dos impostos. Este limite seria um ponto sem retorno de forma que, se a redução atingir este limite, seria necessário mudar todas as ações que vinham sendo seguidas e executadas até então. Com a persistência da quarentena, a Curva de Laffer ficaria desordenada e, naturalmente, qualquer tentativa de aumento de impostos seria inútil.

Este limite crítico representa o instante em que a redução da tributação implicaria na ultrapassagem de um ponto em que a recuperação da cadeia produtiva começa a se inviabilizar, provocando uma quebra em série de empresas, o que poderá induzir distúrbios no país em áreas como segurança, saúde, educação, alimentação, trabalho, moradia, transporte, além de comprometer a Previdência Social, inviabilizando o pagamento das aposentadorias e pensões, do funcionalismo público e dos juros das dívidas públicas dos governos, dentre outros compromissos.

Então, o problema se resume a descobrir e estabelecer qual é esse limite crítico – o que não é fácil, entende-se. Mas temos de fazer isso de qualquer forma para vislumbrar luz no fim do túnel. Pode ser um limite de 10%, 20% de queda na arrecadação dos tributos, por exemplo. Caso não haja uma forma de saber com uma exatidão razoável, pode-se estabelecer um valor empírico, como 14%. Pelo menos, depois de atingido este limite crítico, os governos iniciariam as providências e ações necessárias à recomposição do funcionamento da cadeia produtiva. Uma alternativa para este limite seria o uso de um valor relacionado à queda do PIB, como 8% ou 12%, por exemplo. O fato é que o governo precisa agir e divulgar qual é o seu planejamento nas áreas da saúde e na economia simultaneamente.

Uma vez definido e atingido o limite crítico, até que se encontre uma solução definitiva ao problema, como uma vacina eficaz, por exemplo, deve-se reativar a economia com o retorno de todas as pessoas ao trabalho na indústria, comércio e serviços, tomando o cuidado de cumprir todas as recomendações médicas para minimizar o contágio pelo coronavírus.

Deve-se desenvolver uma metodologia com as restrições necessárias ao retorno de forma minimamente segura ao trabalho em todas essas áreas. Deve-se voltar ao antigo “normal” com todas as precauções necessárias. Temos de entender com muita clareza que, mesmo com essas providências, existe ainda uma agravante que seria a demora na volta das pessoas, por medo, às ruas para consumir como faziam antes da pandemia. A volta será lenta e dolorosa, até que os receios de contaminação se dissipem naturalmente. Então, a volta à “normalidade” será numa velocidade muito menor do que aquela que se desejaria para a retomada total das atividades da cadeia produtiva, e esta demora poderia agravar o risco de convulsão social.

Neste contexto, não se pode cometer o erro de abandonar o modelo liberal da economia porque, adicionado aos efeitos econômico-financeiros da pandemia, um modelo intervencionista estatal – que já se sabe não funcionar em lugar nenhum no mundo – seria muito perigoso neste momento delicado da economia. Além disso, o ambiente político deve ser de estabilidade para viabilizar a interação dos três poderes, com negociações dentro das regras republicanas.

Isso deve ser feito o mais breve possível porque, se houver uma segunda ou mesmo uma terceira onda do coronavírus, não teremos saída. Não temos como negar a nossa ignorância sobre esse vírus, e ela está influenciando negativamente a vida de todas as pessoas. A verdade é que não temos alternativa; se não houver ações coordenadas entre os governos, o país poderá quebrar. Poderá haver mais contaminações e mais mortes pelo maior contato entre as pessoas, mas não é difícil imaginar que o resultado da quebra do país terá consequências muito mais graves, mais mortes que as causadas pelo coronavírus em si, possivelmente.

Sabemos que a recessão virá, mas não sabemos o tamanho. Uma coisa somente é certa: se não começarmos a voltar com todas as atividades econômicas depois de ultrapassado aquele limite crítico de queda da arrecadação ou PIB, que deve ser estabelecido urgentemente pelos governos, não haverá mais volta a um estado razoável da economia e a recessão será muito grande, com todas as consequências já apresentadas.

Não é uma questão de se optar entre saúde e economia. Hoje, já não temos mais esta opção; talvez grande parte da população ainda não tenha se dado conta da gravidade da situação. O tamanho do desastre que inevitavelmente virá dependerá somente da nossa competência e inteligência em equacionar o problema e encontrar a melhor solução.

Rogério W. A. Tuma, formado em Engenharia Elétrica, pós-graduado em Engenharia de Análise e Planejamento em Operação de Sistemas Elétricos de Potência e em Gestão Técnica de Concessionárias de Energia Elétrica, mestre em Sistemas de Potência, foi professor do ensino médio e superior no Cefet-PR e trabalhou na área de Estudos de Proteção da Copel.

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