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A democracia se exerce plenamente no equilíbrio e interdependência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o que assegura que nenhuma das esferas de poder terá, isoladamente, domínio absoluto sobre a vida dos cidadãos, e haverão de agir apenas dentro das atribuições que a Constituição Federal lhes confere.

Não foi com outro espírito que a Câmara aprovou há um mês a emenda número 3 ao projeto de lei que criou a chamada "Super-Receita".

A emenda visa a corrigir uma situação anômala que deixava indefesos cidadãos corretos e empreendores de várias áreas. Engenheiros, economistas, publicitários, contadores, jornalistas, profissionais liberais e outros, dentro do que determina a lei, abrem pequenas empresas para prestar serviços a outras empresas ou ao próprio serviço público, recolhendo, para tanto, todos os tributos previstos na legislação. A autoridade administrativa, certamente com a boa intenção de aumentar a arrecadação, ao examinar as empresas contratantes, tratam as prestadoras de serviços como se fossem pessoas físicas, desconsiderando, arbitrariamente, o fato de que elas se constituem, legalmente, como pessoas jurídicas. O resultado é que seus sócios são considerados empregados das empresas contratantes e a remuneração deles sofre tributação mais elevada do que a determinada em lei.

Em linguagem simplificada, a emenda n.º 3 determinou que os agentes da Receita Federal somente venham desconsiderar a personalidade jurídica com fundamento em decisão da Justiça. Somente a Justiça do Trabalho pode dirimir conflitos trabalhistas e dizer se, numa relação de prestação de serviço, há ou não vínculo empregatício. Esta norma está expressa de forma clara no artigo 114, inciso VII, da Constituição Federal. Além disso, o artigo 50 do Código Civil e o artigo 129 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, também exigem sentença judicial para esse caso.

Em outras palavras, a emenda não constitui nenhuma inovação, pois só ratifica o que já dispõem as leis brasileiras. Ela se tornou, porém, necessária em função de uma prática que, apesar de contrariar a norma legal, vinha se tornando rotineira. Essa atuação indevida estava levando insegurança às empresas prestadoras de serviço, que, de uma hora para outra, eram ilegalmente desconsideradas como tal e se viam tendo de arcar com impostos que não deviam de fato. Em um país de grande energia empreendedora, o efeito danoso que esse tipo de ação vem causando é evidente. A emenda número 3 sanou essa situação.

Aprovado o dispositivo, porém, uma campanha de desinformação começou a tomar corpo, tendo como objetivo levar o presidente a vetá-lo.

A má informação domina o debate. Alguns dizem que a ação dos auditores da Receita Federal fora restringida. Outros argumentam que a missão dos auditores fiscais do trabalho e do Ministério Público do Trabalho, no combate às ilicitudes trabalhistas, seria prejudicada. E, de maneira absurda, cogitou-se que a luta contra o trabalho escravo sofreria abalo devastador. Insinuaram ainda que a emenda beneficiaria "empresas de uma pessoa só". É preciso repudiar, com veemência, tais equívocos:

1) A emenda não restringe as atribuições dos auditores-fiscais da Receita Federal, que poderão continuar fiscalizando normalmente as empresas de prestação de serviços – dentro dos limites de sua competência estabelecidos em lei;

2) A emenda não subtrai o poder dos auditores-fiscais do trabalho nem do Ministério Público do Trabalho, mas, ao contrário, resguarda-o, impedindo que suas funções sejam usurpadas por outros profissionais. É bom que fique bastante claro que a emenda trata apenas das atividades dos auditores da Receita Federal do Brasil, não podendo, portanto, interferir em outras categorias. O combate ao trabalho escravo não sofrerá nenhuma restrição e nem seria admissível que sofresse qualquer tipo de limitação ou constrangimento.

3) As sociedades de prestação de serviços constituem-se sob o devido amparo legal da Constituição Federal, do Código Civil e dos órgãos competentes para expedição de CNPJ, Inscrição Municipal etc. São milhares de empresas que prestam serviços profissionais, contribuindo de forma decisiva para o desenvolvimento do país. É preciso ressaltar que o artigo 129 da Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, ratificou que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços profissionais por pessoa jurídica, em caráter personalíssimo ou não, é tributada com base na legislação aplicável tão somente às pessoas jurídicas – conforme estabelecido desde a Lei nº 9.430, de 1996, em seus artigos 55 e 56.

Por tudo isso, a nação brasileira espera que o presidente sancione a lei que criou a "Super-Receita", preservando a integridade da emenda número 3. Essa atitude será, mais uma vez, a demonstração cabal de que o presidente prestigia os pressupostos da democracia, um sistema em que todos devem atuar de acordo com a lei, em que um poder não deve usurpar as funções de outros, e em que nenhum dispositivo é considerado supérfluo quando seu objetivo é assegurar legítimas prerrogativas da cidadania.

Armando Monterio Neto é presidente da Confederação Nacional da Indústria.

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