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Armado de uma sinceridade cortante e de boa dose de desilusão, o senador pernambucano Jarbas Vasconcelos, um político tarimbado e combativo, traçou um quadro sombrio do seu partido, o PMDB, e da própria política brasileira.

Segundo Vasconcelos, o PMDB é hoje "um partido sem bandeiras, sem propostas, sem norte"; um partido no qual "boa parte quer mesmo é corrupção". Para o senador pernambucano, o PMDB atual não passa "de uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos – para fazer negócios, ganhar comissões."

Nos anos da ditadura, Jarbas Vasconcelos fez parte do núcleo dos autênticos do MDB – como eram chamados os parlamentares mais aguerridos e coerentes na luta contra o regime militar. Na abertura, sempre foi elogiado por Lula, que chegou a pensar no nome dele para disputar o cargo de vice-presidente.

Hoje, porém, Jarbas é um crítico incansável do governo Lula, que, na entrevista, classifica como "governo medíocre". Sobre a popularidade do presidente da República, ele disse: "O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro." Segundo Jarbas Vasconcelos, Lula tem sido conivente com a corrupção.

Ao contrário do que se poderia esperar de uma estrutura política minimamente ética, os peemedebistas reagiram desqualificando o acusador, considerando-o desagregador, e usaram o discurso de que cabe ao incomodado se mudar. Caciques do partido –como Michel Temer (SP), presidente da sigla e da Câmara; José Sarney (AP),presidente do Senado; e o senador Renan Calheiros (AL), líder –que deveriam se defender ou contestar as declarações, preferiram ficar em silêncio. A nota oficial distribuída pela Comissão Executiva Nacional do PMDB segue a mesma toada.

Resumo da ópera: se todos são corruptos, pensam inúmeros políticos, deixem-nos participar da rapina em paz. Impressionante! Não é apenas o reconhecimento implícito da culpa, mas muito mais: é a canonização da bandalheira, a santificação do pecado, a negação definitiva da ética na política.

Trata-se, infelizmente, de comportamento recorrente na vida pública brasileira: silenciar, negar, desqualificar e apostar na amnésia coletiva. Acusações gravíssimas já não provocam quaisquer reações. É o cinismo quimicamente puro. A Nação perde anticorpos morais e sucumbe aos sintomas de uma autêntica aids política.

Temos razões, inúmeras, para desabar no mais profundo pessimismo. Mas não devemos. O povo é mais perspicaz do que se pensa. "Eu fui oposição ao governo militar e me lembro de que Médici era endeusado no Nordeste. Mas ninguém desistiu de combater a ditadura", comenta Vasconcelos. É verdade. Quem não se lembra do mote do desenvolvimentismo dos anos 70? "Brasil, ame-o ou deixe-o". E ai de quem questionasse o "milagre brasileiro". Embalado no populismo e na exploração de um patriotismo exacerbado, a ditadura militar extirpou sonhos, demitiu vidas e decapitou liberdades. Sarney, igualmente, viveu momentos de glória. Apoiado no marketing de um plano econômico de curto prazo, viu-se guindado à condição de líder inconteste. Os "fiscais do Sarney" constituíram um tribunal popular que condenava os hereges que se atreviam a questionar o plano econômico redentor. Os fatos revelaram a inconsistência do governo e a comitiva do presidente Sarney acabou apedrejada no Rio de Janeiro. O povo demorou, mas deu o troco. Primeiro, nas ruas; depois, nas urnas.

A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Políticos corruptos e corruptores, apoiados na força de um marketing político desviado, vendem ilusões e lançam migalhas de assistencialismo. Mas negam ao povo o que ele tem direito: saúde, educação e segurança compatíveis com os impostos que ele paga.

É preciso dar um basta ao cinismo e à ladroagem! O senador Jarbas Vasconcelos falou em público o que a imprensa denuncia regularmente. Cabe-nos o dever irrenunciável da perseverança investigativa. Os brasileiros merecem um país decente.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

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