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Nise Yamaguchi e o presidente da CPI da Covid-19, Omar Aziz.
Nise Yamaguchi e o presidente da CPI da Covid-19, Omar Aziz.| Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Após quase dois meses de funcionamento, a CPI da Covid confirma as baixas expectativas que tínhamos quando a mesma foi instalada. Embora seja fruto de dois requerimentos, um deles de minha autoria, o relator da CPI, pai de um governador que devia ser investigado pela comissão, atua até agora como se o único objetivo da existência da comissão fosse atacar o governo federal, ignorando todos os indícios, descobertos pela Polícia Federal, de que houve desvio de recursos que partiram da União e foram enviados para estados e municípios, a fim de auxiliar no tratamento dos pacientes com coronavírus.

Um dos pedidos de convocação recentemente rejeitados pelo grupo que comanda a comissão diz respeito ao escândalo do Consórcio Nordeste, que inclui o Ceará, e que está relacionado à compra de 300 respiradores provenientes da indústria da maconha e que jamais foram entregues, provocando prejuízo estimado em R$ 48,7 milhões. O fato consta em relatório da Polícia Federal e há ampla documentação a respeito, devidamente entregue à imprensa. Mesmo assim, o esforço de alguns colegas para que esse assunto seja deixado de lado é espantoso.

Em mais de uma ocasião, eu propus um revezamento na convocação de depoentes, de modo que fossem chamadas tanto autoridades do governo federal como aquelas provenientes de estados e municípios, relacionadas com a recepção e administração de recursos destinados ao enfrentamento da pandemia, principalmente seus principais mandatários, ou seja, governadores e prefeitos. Essa sugestão também foi rejeitada.

Na história das CPIs encontramos comissões honrosas, que cumpriram com coragem e competência seu papel de combate à corrupção, como a CPI dos Correios, em 2005, que resultou na revelação do escândalo do mensalão, desmontando um esquema criminoso de compra de apoio político e uso indevido do dinheiro público. Infelizmente, aquela iniciativa bem-sucedida não é usada como exemplo.

Apesar dos constrangedores sinais de que a CPI não quer olhar para os indícios de corrupção, a mesma esbanja evidências de que seu foco é mesmo o de se tornar palanque político para 2022. Exemplo disso é o tratamento explicitamente diferenciado que o relator dá aos depoentes. Àqueles dispostos a atacar o presidente, trata com compreensão e cortesia; àqueles que defendem as ações tomadas pelo governo, sobram atos de intimidação e até demonstrações de grosseria.

Foi o que houve, por exemplo, com a doutora Nise Yamaguchi, médica oncologista e imunologista, com mais de 10 mil pacientes atendidos em 40 anos salvando vidas. Sua contribuição pública e voluntária com o governo lhe rendeu contínuas interrupções, de modo que fosse impedida de completar suas explicações, sendo notoriamente induzida a responder conforme a vontade do relator e submetida a covarde humilhação.

É claro que o comportamento de Bolsonaro é passível de críticas. Considero inoportunas as frequentes ocasiões em que o chefe da nação não dá exemplo, provoca aglomerações, não usa máscara e faz uso político de medicamentos. Contudo, isso não justifica a agressão generalizada contra seus colaboradores, nem o ato de fechar os olhos para os erros cometidos por outras instâncias do Executivo. Essa seletividade é um grave desrespeito ao povo que poderia ter recebido tratamento apropriado nas estruturas de saúde locais, mas isso não aconteceu, pois o dinheiro foi usado para outros fins.

Em muitos lugares do mundo o momento de crise mundial que atravessamos foi transformado em oportunidade de união, de solidariedade para atravessarmos juntos as dificuldades, e de chegarmos melhores ao fim dessa dura jornada. Infelizmente, não é o que vemos no Brasil. A polarização excessiva tem agravado nossos problemas, inflamado ataques desnecessários e alimentado injustiças. A CPI poderia ter papel importante na superação dessa tendência e pacificação do nosso país. Em vez disso, parece ter escolhido ser trampolim para os cargos em disputa no ano que vem.

Eduardo Girão é senador (Podemos-CE).

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