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A discussão da Medida Provisória 451/08, que trata de mudanças nas regras do Imposto de Renda, e ao mesmo tempo do seguro-obrigatório, provocou nos últimos dias uma onda de acusações contra hospitais filantrópicos vinculados ao Sistema Único de Saúde, por parte das seguradoras e setores a elas ligados, como forma de sustentar a necessidade de aprovação – sem alterações – do texto da MP. Em síntese e na prática, as seguradoras, com o apoio da Superintendência de Seguros Privados (Susep) do Ministério da Fazenda, culpam os hospitais pelo aumento no pagamento de indenizações do DPVAT. E atribuem ao fato dos hospitais credenciados ao SUS receberem através do seguro-obrigatório, o reembolso de despesas com o atendimento de pessoas acidentadas em caráter particular, a razão de um suposto desequilíbrio financeiro nas contas do DPVAT. Além disso, levantam uma suspeita genérica, sem qualquer comprovação factual, de que esses hospitais estariam fazendo cobranças em duplicidade, recebendo do SUS e do seguro-obrigatório pelo mesmo atendimento.

O que as seguradoras e os setores do governo que as defendem não explicam é que, até a edição da MP, quem sofria um acidente de trânsito podia recorrer ao DPVAT para poder ser atendido em caráter particular nos hospitais filantrópicos, o que é um direito do usuário do seguro-obrigatório – pago compulsoriamente por todos os proprietários de automóveis do país. Pelo simples motivo de que isso significava obviamente mais comodidade e agilidade no atendimento para o paciente, e também a garantia de cobertura dos custos e de uma melhor remuneração pelo serviço prestado por esses hospitais.

As seguradoras e a Susep também não explicam que ao proibir que a vítima de acidente ceda ao hospital que lhe atendeu a possibilidade de cobrar as despesas pelos serviços prestados através do reembolso do DPVAT, estão, na prática, dificultando a vida do usuário do seguro-obrigatório. Além de não poder optar pelo atendimento particular nos hospitais vinculados ao SUS – que recebem a quase totalidade das pessoas acidentadas no trânsito, pois são os que possuem pronto-socorros e atendimento de emergência com a infra-estrutura para esse tipo de ocorrência que muitas vezes implica em procedimentos complexos de alta gravidade –, a vítima mais tarde terá que se submeter a um longo e burocrático processo para conseguir o ressarcimento das despesas que porventura tiver.

A verdade é que na prática a MP 451, da forma como está, retira R$ 260 milhões ao ano da saúde pública brasileira e transfere esse dinheiro para os cofres das seguradoras, a maioria delas controladas por grandes bancos, que vem há muito tempo registrando lucros recordes no país. E cassa o direito do usuário do DPVAT de optar pelo atendimento particular em hospitais vinculados ao SUS. Além de agravar ainda mais a já difícil situação financeira dos hospitais filantrópicos.

Mais do que isso, trata-se de uma iniciativa inconstitucional, pois se o seguro-obrigatório tem problemas e precisa ser reformado, isso deve ser feito através de projeto de lei amplamente debatido com a sociedade e os setores envolvidos e não com um artigo que pega "carona" em uma Medida Provisória editada às vésperas do recesso legislativo de final de ano. Uma MP inclusive que originalmente trata de outro assunto, e que por lei, só pode ser usada para legislar sobre questões de relevância e urgência premente, o que não é o caso.

Por tudo isso, e justamente para buscar uma discussão séria, defendemos a retirada da MP 451 da pauta de votação do Congresso Nacional e a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a situação do seguro-obrigatório (DPVAT). Essa seria a melhor forma de esclarecer de vez as dúvidas levantadas em torno dessa questão, colocando em pratos limpos tanto a situação financeira das seguradoras e do DPVAT, quanto a atuação dos hospitais, e principalmente não esquecendo as necessidades dos usuários do seguro-obrigatório. Dessa forma, podemos elaborar um projeto de lei que promova a reforma de todo o sistema.

O que não podemos aceitar é que os hospitais e o sistema de saúde continuem sendo usados como bode expiatório dos problemas de gestão das seguradoras, e dos bancos que as controlam, e não parecem nem um pouco preocupados com os direitos e necessidades dos usuários do DPVAT. Nem que a sociedade, e principalmente a saúde pública, pague pelo suposto rombo de R$ 3 bilhões nas contas das seguradoras relativo ao DPVAT. Se há cobrança em duplicidade, que se investigue, se responsabilize e se puna. Mas que não se levantem acusações genéricas, sem qualquer comprovação, como desculpa para rasgar a Constituição, e cassar direitos – sejam do cidadão, do contribuinte, sejam de instituições que prestam inestimáveis serviços à sociedade, salvando diariamente vidas e levando conforto a quem mais precisa.

André Zacharow é deputado federal pelo PMDB/PR.

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