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Quem cede um pouco de seu tempo para observar traços das disposições interiores de muitas pessoas, particularmente as de razoável escolaridade, não se surpreenderá com uma atitude de fundo, difusa em quase todos os ambientes. Refiro-me à descrença. A razão instrumental, tão poderosa e criativa, atendeu, multiplicou e saciou os desejos humanos de consumo. Isso nos faria supor que seríamos uma sociedade mais feliz. Todavia a inquietação de mentes e corações persiste. A confiança nas instituições, nos grupos, nos outros, parece declinar de modo contínuo. A descrença tende difundir-se.

Crer em Jesus Cristo é, sim, uma opção pessoal. Mas é também uma possibilidade de sentido para a vida

As análises para tal fenômeno estendem-se quase ao infinito. Não é disso que precisamos. A inteligência humana já avaliou e produziu suas explicações. Mais exigente do que explicar é a experiência mesma de crer. E não é de hoje esta problemática. O evangelho deste domingo trata de Ascensão de Jesus. Esta é uma informação que temos apenas do evangelista. Não há atas para confirmar. Faltam as provas materiais.

Justamente nas narrativas da elevação do Senhor Jesus aos céus, das quais não temos provas cabais, apresenta-se a temática do crer em Jesus Cristo. Eis o texto: “Ide ao mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura. Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). Pois bem, o que significa crer? Claro, em poucas linhas não é possível explicar. A realidade é tão complexa quanto a pessoa. Mas algumas indicações podem ser mencionadas.

O ato de crer não é a simples convicção em torno de hipóteses que, talvez, um dia estarão sob o domínio da ciência. Isso seria apenas acreditar em hipóteses. Também não é um convencimento que nos chega de fora. Crer comporta uma decisão pessoal, uma escolha que se faz em favor de valores e/ou verdades que são anunciadas ou ensinadas ou testemunhadas. É uma decisão que vem desde dentro. Procede da liberdade de cada um. Empenha a mais genuína liberdade. Crer não resulta de convencimentos argumentativos. É antes uma adesão afeiçoada a alguém e esta relação confere sentido à existência e à vida. Se faltar este sentido a descrença se impõe.

Pois bem, neste domingo se proclamará nas Igrejas o anúncio acima citado. Não se tratará de fazer propagandas de Jesus. Seria apenas um “produto religioso”. O evangelho propõe que ao “anunciar as boas notícias da parte de Deus” é possível a salvação àqueles que decidirem crer. Quem escolhe “não crer” sabe que a finalidade da existência se esgotará em um término muito parecido com o vazio absoluto. E apenas isso. Por outro lado, quem quer crer em Jesus Cristo, o Ressuscitado, pode conferir à vida presente, inclusive ao sofrimento inevitável, um sentido de esperança.

Neste caso “crer” não se tratará de verdades abstratas ou de filosofia de vida. Será uma adesão à Sua pessoa. Será uma relação pessoal a ser cultivada. A oração pessoal, a leitura e meditação de seus gestos e palavras, a celebração comunitária de tudo o que Ele nos revelou são meios para renovar as nossas relações e adesões a Ele. Assim como a amizade entre pessoas cresce na medida em que se encontram, algo semelhante acontece com quem O busca e O celebra. Ninguém poderá provar, por via científica que Ele ressuscitou. Temos o testemunho dos primeiros seguidores. Mas... e provar que Ele não ressuscitou, alguém é capaz? Crer em Jesus Cristo é, sim, uma opção pessoal. Mas é também uma possibilidade de sentido até para a vida depois da morte.

Dom José Antonio Peruzzo é arcebispo de Curitiba.
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