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Cinco jovens de classe média roubaram e agrediram a socos e pontapés a empregada doméstica Sirley Dias de Carvalho Pinto, de 32 anos, que estava em um ponto de ônibus na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro.

Um dos três agressores que estão presos justificou o crime dizendo que acharam que a vítima era uma prostituta. Eles não tinham índio para queimar. Agora é prostituta. O desabafo de um policial, registrado em matéria do jornal O Globo, remete ao caso do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que, na madrugada de 2 de abril de 1997, foi queimado vivo quando dormia num ponto de ônibus em Brasília. O crime foi praticado por cinco jovens de classe média alta, um deles maior de idade, que jogaram álcool sobre o corpo do índio e atearam fogo.

"Como é que chegamos a isto?" A pergunta de um internauta, carregada de angustiada perplexidade, está subjacente em inúmeros e-mails e cartas que, aos borbotões, chegam às redações dos jornais. O crime, não obstante sua covarde crueldade, é, lamentavelmente, um registro dramaticamente rotineiro na crônica policial. Ele provoca, talvez, um espasmo de indignação. E nada mais. É duro, sobretudo para a vítima e seus familiares, mas é assim. Estamos, todos, perigosamente anestesiados pelo câncer da violência que vai minando o organismo social. Assistimos a uma surpreendente vulgarização da delinqüência bem-nascida.

O tema, sem dúvida preocupante, exige uma reflexão aprofundada. O mal existe e, sem dúvida, tem algo de insondável. Mas a crueldade não é fruto do acaso. É o resultado de uma equação bem determinada. Violência transmitida pelo mundo do entretenimento, família dilacerada e impunidade compõem, estou certo, o caldo que engrossa a paranóia.

A era do entretenimento, cuidadosamente medida pelas oscilações do Ibope, tem na violência um de seus carros-chefes. A transgressão passou a ser a diversão mais rotineira de todas. Alguns setores do negócio do entretenimento, apoiados na manipulação do conceito de liberdade de expressão, crescem à sombra da exploração das paixões humanas. Ao subestimar a influência da violência ficcional, omitem uma realidade bem conhecida da psicologia: a promoção do sadismo como instrumento de diversão não produz a sublimação da agressividade, antes representa um forte incitamento a comportamentos anti-sociais.

A crise da família está também na raiz do problema. Não sou juiz de ninguém. Mas minha experiência profissional indica a presença de um elo que dá unidade aos crimes praticados por adolescentes: o esgarçamento das relações familiares. Há exceções, é claro. Desequilíbrios e patologias independem da boa vontade dos pais. A regra, no entanto, indica que o crime infanto-juvenil tem suas raízes num ambiente familiar desestruturado.

A ausência de limites, a crise da autoridade e a impunidade estão na outra ponta do problema. Transformou-se o prazer em regra absoluta. O sacrifício, a renúncia e o sofrimento, realidades inerentes ao cotidiano de todos nós, foram excomungados pelo marketing do consumismo alucinado. Decretada a demissão dos limites e suprimido qualquer assomo de autoridade (dos pais, da escola e do Estado), sobra a barbárie. A responsabilidade, conseqüência direta e imediata dos atos humanos, simplesmente evaporou. Em todos os campos. O político ladrão e aético não vai para a cadeia. Renuncia ao mandato. Delinqüente juvenil não responde por seus atos. É "de menor".

É preciso um choque de bom senso. Impõe-se a recuperação da noção da existência de relação entre causa e efeito. O erro, independentemente dos argumentos permissivos da psicologia da tolerância, deve ser condenado e punido. As análises dos especialistas esgrimem inúmeros argumentos politicamente corretos. Fala-se de tudo. Menos da crise da família, da irresponsabilidade do mundo do entretenimento e da impunidade. Mas o nó está aí. Se não tivermos a coragem e a firmeza de desatá-lo, assistiremos a uma espiral de crueldade sem precedentes.

O horror dos delitos sem explicação não está nas telas dos cinemas. Está batendo às portas das casas de um Brasil que precisa recuperar suas raízes genuínas.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo e professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia.difranco@ceu.org.br

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