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O jornalista Breno Altman é acusado de endossar uma “fala antissemita” proferida pelo ex-presidente do PT, José Genoino, e “incitar uma caçada aos judeus”
Imagem ilustrativa.| Foto: Chris Hearn/Unsplash

É criminoso inferir que Israel esteja agindo em Gaza de forma similar aos nazistas na Europa durante a II Guerra. Mas a hediondez da comparação explica a necessidade da esquerda de legitimar a horrível ataque de 7 de outubro. O que causa especial repugnância na fala do presidente do Brasil é que ela não foi dita de chofre, no calor do momento, no entusiasmo de uma conversa animada.

Não, ela expressa exatamente o que ele pensa a respeito de Israel e dos judeus, demonstra sua absurda ignorância sobre o tema – o que deveria torná-lo mais comedido – e ecoa o que praticamente toda a esquerda brasileira pensa a respeito além dos desavisados que conhecem a Shoah apenas para desmerecê-la, relativizá-la ou negá-la. Pior, a analogia absurda, abjeta e aviltante prega no Estado de Israel a pecha dos seus piores e históricos verdugos, cala fundo a alma nacional judaica e ilustra a macabra tentativa de pareá-lo aos assassinos nazistas.

O Holocausto não tem paralelo na história da (des)humanidade. O genocídio armênio foi terrível, mas sua ocorrência, embora programada, não chegou nem perto da engenhosidade, diligência e “competência” alemãs. O massacre de congoleses pelo rei Leopoldo, da Bélgica, foi a demonstração da mais primitiva ideia de superioridade europeia sobre a “ralé africana”, algo similar apenas na pretensa supremacia alemã sobre outros povos, mas que não teve nada de primitivo. Ruanda se fez com machetes, facas, pás, punhais e enxadas, e ficou longe da industrialização bem engraxada da máquina de matar nazista. Acima de tudo, nenhum desses genocídios foi desejado, preparado e levado a termo com o concurso de recursos do Estado.

Em nenhum momento da história, o aparato estatal foi colocado a serviço de um morticínio em escala tão grande. Desprovidos de seus direitos mais fundamentais, os judeus perderam sua nacionalidade, propriedades e existência. Hitler os deportou, guetizou e matou em etapas bem concatenadas, num mosaico de peças se encaixando perfeitamente e cujo resultado foi o fim agonizante e asfixiante. Em A lista de Schindler Goeth dá um vislumbre a Schindler sobre o que é gerir um campo de extermínio: “Então os engenheiros aparecem; eles ficam parados, discutem sobre drenagem, fundações, códigos, especificações, cercas paralelas de quatro quilômetros de extensão, seis mil quilos de cercas eletrificadas”. É a engenharia da morte.

Entre 2014 e 2020, segundo dados do Parlamento Europeu, os palestinos receberam 2,2 bilhões de euros em auxílio da União Europeia. Qual foi a ajuda econômica, ou qualquer outra ajuda, que os judeus receberam de outras nações durante o Holocausto? Entre campos de trânsito, de concentração e extermínio, os alemães ergueram 51 centros de “processamento” de judeus. Quantos campos de extermínio Israel construiu em Gaza ou na Cisjordânia a fim de eliminar, premeditadamente, os palestinos? As bem treinadas Brigadas Izz ad-Din al-Qassam são o braço armado do Hamas, muito bem nutrido por dinheiro europeu e armamento árabes. Quais armas foram fornecidas para os judeus se defenderem dos nazistas?

Israel já acenou com várias propostas de paz, todas recusadas pelos palestinos. Qual a chance que os judeus tinham de oferecer uma “paz” aos nazistas, quando o máximo que podiam esperar era morrer sem grandes sofrimentos? Portanto, a não ser em mentes apodrecidas, não há a menor equivalência entre a luta de Israel por sua sobrevivência e o martírio indizível que os judeus sofreram na II Guerra. O que saiu da boca do atual presidente do Brasil revela – para além do seu antissemitismo ideológico e assassino, bem ao estilo de Teerã só pra ficar num inimigo de longa data de Israel – uma perversidade afeita a tiranos. Netanyahu tem mesmo que passar uma descompostura no Brasil do tamanho da indignidade sofrida.

Ariel Sharon, quando premiê, sempre tinha à mão um álbum de fotografias coloridas de um ônibus atacado por um homem-bomba. Corpos decapitados e membros despedaçados, esgares de horror estampado em cada rosto morto, dilacerado, estavam espalhados por cada canto das imagens. O fogo destruíra as roupas das vítimas e pintara sua pele de verde e azul. Matizando o macabro da morte. Quando um diplomata ia até Sharon para lhe aplicar lições de “civilidade”, o premiê o fazia folhear o álbum, observando suas reações bem expressivas diante da mortandade gratuita. Ao fim da expedição fotográfica, Sharon perguntava calmamente: “Agora me diga: você está preparado para algo assim acontecer em seu país?”.

Quando outro povo passar pela Shoah e pelo 7 de outubro, aí poderemos discutir sobre quem é nazista e quem é judeu. Por hora, apenas cale a boca quem não consegue fazer essa distinção.

José Antonio Mariano é psicanalista, jornalista e escritor.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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