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O mais drástico não é o que vamos perder agora com esse novo contexto, mas o que deixaremos de ganhar por não enxergar as oportunidades que poderíamos aproveitar se tivéssemos um planejamento de longo prazo para o Brasil

O contexto da crise de 2008 que favoreceu a esperança norte-americana por um novo governo e novas oportunidades não vem refletindo as expectativas dos eleitores do presidente Obama, o que é reforçado pela queda de popularidade, em níveis próximos aos piores do governo Bush. Contudo, o fundamento desta variação de popularidade e expectativa está na mesma raiz do problema da questão que nos colocamos, no Brasil, frente à crise: estamos preparados para esse contexto difícil?

Em realidade nos preocupamos com a crise como se fosse conjuntural e ela é estrutural para o nosso sistema econômico. Essa crise não apontava para mudanças pequenas, mas transformações nas formas como fazemos as coisas e do que dependemos para fazer. Um repensar sobre o uso dos recursos naturais, na forma e intensidade de consumo, nas tecnologias de produção, na inclusão de pessoas com capacidade de consumo e sobrevivência nesse sistema econômico. Isso não se resolveria em meses ou mesmo em poucos anos.

Não somente as empresas, mas os governos devem compreender a sua nova função geopolítica e econômica em um sistema que se recria nas novas funções de produção e consumo. Os direcionadores estratégicos serão a inclusão produtiva e de consumo (pessoas para fazer e consumir), a produção mais sustentável (com uso mais racional dos recursos e se preocupando com a sua preservação), o desenvolvimento de tecnologia e educação (para criar melhores combinações de produção dos recursos) e a importância de novos recursos para o sistema, como os alimentos que enfrentam a controvérsia entre a importância para energia ou consumo direto.

Quando os países tentam enxergam a crise com a visão de que sairemos da mesma forma que entramos, não permite um olhar diferente para o processo para conseguir visualizar as oportunidades oriundas desses problemas. O Brasil é particularmente estratégico nesse novo ambiente, mas estamos preocupados se conseguiremos nos sustentar neste sistema, em que somos excluídos e ainda "em desenvolvimento". Um novo lugar para o Brasil exige em realidade um posicionamento estratégico que aproveite a sua capacidade de produção, sua reserva de recursos naturais, sua capacidade de inclusão produtiva e de consumo da população e no desenvolvimento de novas tecnologias.

Temos, no Brasil, capacidade de desenvolver tudo isso, mas precisamos ter estratégias e investimentos para que isso aconteça. Em contrapartida, estamos preocupados em vender commodities para China, explorar indevidamente os nossos recursos naturais (com queimadas frequentes e pouco poder de fiscalização); manter baixas taxas de investimentos públicos e desorganizados com importantes gargalos de infraestrutura; níveis educacionais ainda muito abaixo do mínimo necessário e, apesar do discurso, o fortalecimento da educação ainda depende de greves e pressões políticas; investimento em energia não renovável (pré-sal), mesmo tendo um dos maiores potenciais para desenvolver energia renovável, que é o percurso adotado pelos países desenvolvidos por compreender o novo contexto do sistema; entre outras ações que caracterizam uma visão estratégica ultrapassada. Estamos com a estratégia de desenvolvimento que permeava os países até a década de 1970 para um ambiente completamente diferente.

Por outro lado, os noticiários perguntam se estamos prontos para crise: sim, temos recurso porque vendemos alimentos; temos produção básica e dinheiro porque atraímos o investidor estrangeiro com altas taxas de juros e uma dívida que ultrapassa 1 trilhão de dólares. Isso não é uma estratégia com olhar para frente, mas para trás e sem se preocupar com o futuro. Garantimos o almoço hoje, mas sem saber o que teremos amanhã. O mais drástico não é o que vamos perder agora com esse novo contexto, mas o que deixaremos de ganhar por não enxergar as oportunidades que poderíamos aproveitar se tivéssemos um planejamento de longo prazo para o Brasil, com a clareza da nossa importância geopolítica e econômica nesse processo.

Historicamente perderemos mais uma oportunidade de termos um país mais justo, rico, com inclusão efetiva da população, ao invés de temporária e dependente de bolsas, e com a importância mundial que nos caberia se nos déssemos conta disso. Por isso, precisamos fazer a pergunta certa para buscarmos a melhor resposta e pensarmos além de hoje.

Christian Luiz da Silva, economista, é pós-doutor pela USP e professor do doutorado em Tecnologia, coordenador do mestrado em Planejamento e Governança Pública da UTFPR (Universidade Tecnológica do Paraná).

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