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Uma tolice que, de tão repetida, acabou tomando ares de verdade é que num regime de economia majoritariamente privada, os interesses em­­presariais são deixados livres para maximizar seus ganhos sem limites

Se o governo do PT realmente privatizar os aeroportos – o que, acredito, ainda provocará cólicas em muitos dos companheiros e nos interesses solidamente encastelados na Infraero – a presidenta Dilma Rousseff terá cruzado o Rubicão mental entre o pensamento estatizante retrógrado que resiste entre nós desde 1930 e a modernidade que tenta, sem sucesso, substituí-lo. A visão romântica e equivocada do Estado como sede de todas as virtudes, o santo guerreiro pronto a defender a sociedade contra o dragão da maldade da empresa privada, finalmente dará lugar a um entendimento maduro de que é possível equilibrar os interesses das esferas pública e privada em nosso País para proveito geral.

Vamos deixar o patriotismo e o altruísmo de lado: "Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio ‘autointeresse’", escreveu Adam Smith. Portanto tentar associar as competências do setor público e do setor privado para acelerar a ampliação dos serviços públicos deve ser visto como a busca de um equilíbrio possível entre a busca de lucro por parte das empresas e a satisfação do interesse público de outro. Esse equilíbrio não exige habilidades esotéricas e depende essencialmente do desejo genuíno dos dois possíveis parceiros para que os pesos nos pratos da balança se equivalham.

A visão preconceituosa contra a participação privada nos serviços públicos tem duas origens: uma remota, associada com o entendimento do lucro como usura, na tradição religiosa ibérica, ou de mais-valia na tradição marxista; e mais proximamente, no ideário da Revolução de 30, que acreditava que o Brasil só tinha um agente eficaz para conduzir seu processo modernizante, que seria o Estado, uma vez que as empresas e empresários privados seriam absolutamente incapazes de empreender um esforço dessa magnitude em nosso País. Nunca se saberá se essa concepção básica foi o que viabilizou a transformação de um país agrário e profundamente atrasado em uma sociedade industrial de massa; ou, se ao contrário, a sociedade industrial de massa nasceu e se consolidou apesar do aparato estatal, mas isso já está no terreno da história e não da crônica contemporânea.

Uma tolice que, de tão repetida, acabou tomando ares de verdade é que num regime de economia majoritariamente privada, os interesses empresariais são deixados livres para maximizar seus ganhos sem limites. Uma breve pesquisa a respeito dos países de economia mais livre demonstrará exatamente o contrário: é nesses lugares que a regulação do capital se faz de maneira mais eficaz e o Estado está investido de poderes para sofrear a cobiça e mitigar a ganância de empresas e empresários pouco escrupulosos. Regras claras de conduta são previamente discutidas e acertadas; mecanismos de arbitragem de disputas são definidos com clareza; vantagens, sanções e penalidades são criados para premiar a eficiência e punir a desídia. Os reguladores das atividades privadas são, por sua vez, rigorosamente fiscalizados pelo poder político e pelo Judiciário. E as coisas podem, perfeitamente, funcionar bem ou, pelo menos, infinitamente melhor do que funcionam hoje.

Por outro lado, não existe pecado original nas empresas públicas e semipúblicas eficientes. Quando o serviço prestado por elas obedece aos critérios que definem os chamados "serviços adequados" (eficiência, modicidade tarifária, cortesia, generalidade...), não há porque substituí-las por outras, apenas para ser um privativista dogmático. O problema nos dois casos é a eficácia em fazê-lo.

De qualquer forma, tenho sérias esperanças de que a iminência de um vexame global na Copa e na Olimpíada aclare as mentes. Falando do rei Charles I que só se convenceu de seus erros em relação ao Parlamento inglês quando viu que iria mesmo ser decapitado, o dr. Samuel Johnson cunhou mais uma de suas frases célebres: "Nada clareia mais a mente do que a visão do patíbulo". Que a visão do patíbulo da Copa e da Olimpíada desanuvie as mentes da político-burocracia brasileira.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.

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