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olavo de carvalho
Olavo de Carvalho em entrevista à Gazeta do Povo em 2004.| Foto: Arnaldo Alves/Arquivo/Gazeta do Povo

No filme História de um Casamento há uma cena memorável em que o casal, prestes a se divorciar, entra em uma discussão extremamente violenta. Em meio a gritos e xingamentos, em uma conversa agoniante, os personagens encontram a energia necessária para, finalmente, revelar o que realmente sentem um pelo outro. Antes, ambos estavam fingindo papéis sociais. Durante a briga, a urgência e a tensão os obrigaram a revelar a Verdade sobre si mesmos.

Às vésperas das eleições do primeiro turno e daqui a alguns dias, do segundo turno, todos nós passamos por uma situação semelhante. Ficamos mais preocupados com o destino do nosso país. Essa inquietação, em todos os setores da sociedade, é uma oportunidade única para compreender as razões que motivam nossas ações. É justamente em momentos de conflito que colocamos à prova nossas crenças e revelamos nossas verdadeiras intenções. Mais precisamente, o caso do jantar de Lula com empresários — incluindo alguns agentes culturais da direita — nos permite refletir sobre os rumos que a cultura brasileira tem tomado nos últimos anos.

Uma das coisas mais importantes que o professor Olavo nos ensina é nunca confundir nossas máscaras sociais com nossa verdadeira identidade pessoal.

Eu vivi de perto todo o processo de formação de uma nova cultura brasileira, desde que começamos o projeto do filme O Jardim das Aflições, em 2015. Depois do lançamento, seguimos procurando ter uma voz independente em meio a uma nova cultura emergente e altamente politizada. Nesse processo, desenvolvi empresas e criei conteúdos que, em maior ou menor grau, se alimentavam e promoviam essa nova cultura.

Como aluno do professor Olavo de Carvalho, minha preocupação estava com os rumos que a cultura brasileira — especialmente quando relacionada à religião cristã — estava tomando. Tudo que fiz até hoje foi depositando meu olhar nesse problema. Eventualmente, conquistamos alguma relevância empresarial ao executar nosso trabalho. Atendemos centenas de milhares de famílias com arte e literatura.

Esse resultado pode parecer importante. Talvez até mesmo decisivo para o futuro do país, dependendo da maneira como os números são apresentados e a narrativa é conduzida. Porém, é importante termos a clareza do nosso papel e do que somos capazes de fazer. Do ponto de vista pessoal e biográfico, o mais importante é entender os princípios que fundamentam nossas ações, e não só o resultado prático delas.

Uma das coisas mais importantes que o professor Olavo nos ensina é nunca confundir nossas máscaras sociais com nossa verdadeira identidade pessoal. Ou seja, não devemos confundir as instituições que fundamos ou fazemos parte, sejam elas partidos, empresas ou organizações, com nossa busca pessoal pela verdade. Isso porque empresas não são capazes de buscar ou revelar a Verdade. Empresas são organizações compostas por uma coletividade que visa primordialmente a venda e o lucro em cima de um produto.

Se uma companhia não tem esse objetivo, ela é incapaz de manter-se viva. Isso é um princípio básico de gestão empresarial. E isso, também, não é ruim em si. Através do lucro e da manutenção de uma empresa, muitas pessoas podem prosperar financeiramente através de seu trabalho. E ele é um dos elementos que nos dignificam como seres humanos.

Porém, a capacidade de ação positiva de uma empresa limita-se quase que somente a isso. É exatamente pelo compromisso que uma companhia tem com sua auto-sustentação e com o lucro que ela é incapaz de ser um motor da Verdade. A busca pela Verdade e pelo Bem é uma empreitada altamente complexa, que demanda um coletivo de pessoas procurando intensamente descobrir as coisas como elas de fato são. Nenhum grupo específico é capaz de realizar essa busca. Isso cabe ao ser humano em sua individualidade.

É por isso que todos os promotores culturais que acreditam estar do lado do Bem ao fazer parte de uma instituição específica estarão sempre errados. Quem dirá o uso de discursos para promover a participação do público ("precisamos de você", "faça parte" etc). Uma sociedade melhor depende exclusivamente de indivíduos que buscam a Verdade isoladamente. Isso é historicamente comprovável.

Toda a cultura brasileira que estamos navegando atualmente é fruto da ação de um homem que procurou pela verdade isoladamente: Olavo de Carvalho. Todos os frutos culturais, políticos e empresariais dessa nova cultura têm como raiz o trabalho dele. Eu incluo aqui todas as iniciativas empresariais, inclusive as minhas. Nosso trabalho é mera consequência, mero fenômeno, gerado por outra pessoa.

Instituições são sempre fenômenos e nunca podem ser causas. Isso é ainda mais real quando se pensa em empresas. Empresas precisam de uma cultura de consumo para existir. Isso faz com que uma empresa procure sempre estimular a cultura que a sustenta. Em um mundo saturado de informações e estímulos, faz-se necessário defender radicalmente uma posição política e promover a guerra contra seus opositores para que se receba a devida atenção diante da plateia.

É por isso que nós vemos tantas empresas defendendo pautas ideológicas, sejam elas de esquerda ou de direita. A disputa por atenção é tão grande que se faz necessário gritar mais alto do que todos e inflar as próprias virtudes contra nossos adversários. O problema é que se a guerra cultural gera lucro todos nós corremos o risco de promover a guerra para poder vender mais munição. E, nessa promoção do embate ideológico, tornamos o público menos apto a perceber a realidade.

A cultura não depende de orçamento. Não depende de estrutura. Não depende de faturamento. A cultura precisa somente de espíritos vivos e agentes.

Além disso, se construirmos instituições que roguem a si mesmas o papel de revelar a verdade, iremos correr o risco de confundir o crescimento da empresa com o crescimento da busca pela verdade. Essa confusão gera a ilusão de que todos os atos da respectiva instituição são justificáveis. Partidos e empresas acabam entendendo que sua sustentação no longo prazo é sinal de mais verdade no mundo.

Mas se os partidos e as empresas são meros fenômenos, quais são os princípios que fundamentam uma cultura? A cultura é o arcabouço da produção intelectual e espiritual de um povo. Nela se encerram todas as obras – livros, pinturas, peças teatrais etc. – que registram mais precisamente o drama da vida humana e a ação divina em nossa história. Uma cultura só existe se existirem obras capazes de manifestar exatamente isso: o drama e a divindade. E para que existam obras desse calibre, é necessário que tenham indivíduos que procuram em sua própria vida a realidade do drama e um encontro com Deus. Sem isso, não há cultura.

A cultura não depende de orçamento. Não depende de estrutura. Não depende de faturamento. A cultura precisa somente de espíritos vivos e agentes. Essa constatação é uma tábua de salvação para que não nos iludamos com nosso próprio trabalho e com os rumos da cultura de massa. Não devemos nos assustar e nem nos hipnotizar pelas manifestações de megalomania por parte de governos, instituições e empresas. Tudo a nossa volta induz à exasperação dos nossos sentimentos e à ilusão de que nosso destino depende de uma militância política. Isso não é verdade. Nosso destino depende do nosso encontro pessoal com a Verdade.

Matheus Bazzo é fundados do streaming Lumine e do clube de leitura Minha Biblioteca Católica.Também produziu o documentário "O Jardim das Aflições".

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