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Lembro, no início de carreira, o desagradável relacionamento com benzedores, curadores, costuradores, que às expensas de uma população ingênua e simples geravam dogmas dificultando o empenho científico do médico. Não só dificultavam, como irritavam e complicavam. Além disso, espalhavam tabus alimentares, proibindo a ingestão de leite com manga, vinho com melancia, caqui com cachaça... coisas assim, que o povo recebia com um misto de receio e desconfiança.

A medicina sempre foi fértil em intromissões espúrias, a ponto de ver emergir o adágio "de médico e louco cada um tem um pouco", legenda repetida e jamais constatada. A Terra deu suas voltas ao redor do Sol; as pedras rolaram montanha abaixo, como dizia Moyses Lupion em seus comícios no Tibagy; Fleming descobriu a penicilina; Truman destruiu Hiroshima e Nagasaki, inaugurando a bomba atômica; o homem foi à Lua e não viu o que esperava; Collor de Mello quis acabar com os marajás e os marajás acabaram com ele; o Brasil festejou um presidente de primeiro mundo, preferindo após um do terceiro que aí está embolando as trocas. E a medicina continua, mais complicada do que nunca, somando intrusos e opiniões respaldadas por causas manipuladas, sensível aos ditames da moda, alterada por um cabedal de dietas, cada uma com seus métodos, anunciando perda de quilos às dezenas, que emagrecer é preciso.

A mídia, que não existia, entra no pedaço com suas convicções extraídas de fontes não-identificadas, onde estão ou não os interesses dos laboratórios. E quando o fator econômico entra na parada, a ética esquece seus deveres em favor da luta pela vida, que, temporária e terrena, é uma só. "A outra ninguém veio de lá para me contar" disse-me o vigário de Joaquim Távora, homem de muita fé.

Os meios de divulgação têm uma força desmedida no seio da sociedade e no circuito de notícias e informações. Jornalistas mais açodados não se acanham em mostrar serviço, independentemente de procedência ou confirmação, uma vez que o mérito profissional está no furo, no sensacionalismo, na primeira mão.

Eis aí um preâmbulo para asseverar que o estado de coisas é hoje mais complexo do que ontem. Não se trata de um espertalhão a fazer suas rezas e costurar as dores de uma lombalgia traumática, que se vai em quatro ou cinco dias. É toda uma estrutura onde se digladiam poderes e interesses em prejuízo de uma ciência que não pode ser atingida por fantasias e ficções. Interpelado, há dias, por uma senhora, ouvi o seguinte: "O doutor sabe de um remédio para diabete que vai sair no ano que vem?" Não, não sei. "Pois é um da Merck, anunciado para setembro." Quem lhe disse isso? "Foi uma amiga, que leu numa revista, mas não sei qual."

E por tais vias, no empenho dos escribas em busca da sensação profissional que os notabiliza, são fornecidas à mídia os subsídios necessários para divulgar informações sem qualquer compromisso com a verdade. A moda, cuja volubilidade concorre com a das nuvens, deu uma guinada de 180 graus para decretar a magreza como elegância. Antigamente era comum dizer-se "dai-me gordura e eu te darei formosura." E as moças ao passarem pelas portas estreitas deveriam fazê-lo de lado. Hoje os modelos hão de colocar em l,72 de altura o máximo tolerável de 52 quilos ou terão de desfilar em outras passarelas da vida.

Em conseqüência, surgem as anorexias psicóticas a causar danos e morte, como recentemente aconteceu em notícia tragicamente divulgada.

De outro ponto, acrescente-se as religiões e seitas que se multiplicam promovendo curas não creditadas à ciência. É certo que a fé remove montanhas e, diante do apelo desse dístico, não é de se estranhar os resultados, autênticos milagres da fé. Estive em vários desses templos e presenciei esperanças extremadas. É comum pedir-se oração para os enfermos. A Herbalife não deixa de figurar neste contexto com produtos de sua lavra, respaldados por conferencistas ilustres, ornamentados de provas, painéis e resultados. Em uma delas, pontificava como orador principal o meu caro amigo e colega doutor Kit Abdala, vedete da noite e muito aplaudido. As palavras curam. São com elas que os psiquiatras, como o dr. Josino Parreiras, recupera os depressivos com diálogos de 50 minutos duas vezes por semana. As nutricionistas, devidamente credenciadas, entram no pedaço, com suas dietas de gorduras, proteínas e carboidratos, vitaminas, frutas e verduras na "mistura" ideal para cada caso, segundo as análises bioquímicas. São cardápios que passam de mão em mão curando os males dos outros.

O material produzido nas alternativas dessas origens ocupam os meios de comunicação, jornais, revistas, rádios e tevês, alcançando audiências ponderáveis. É a mídia orientando e decidindo opiniões que os ouvintes julgam na medida do grau de instrução que amealham no cerebelo. Com a batuta de sua autoridade o SUS vai regendo a orquestra, submetendo médicos e hospitais, tal como o Incor, ao acúmulo de R$ 245 milhões em dívidas. Alheio às dissonâncias de tais acordes, o maestro nos leva para o fundo do poço, sem direito às esperanças de retorno. Casas de Saúde e nosocômios temos vários bem equipados em Curitiba, no Paraná e no Brasil, frutos da iniciativa particular, esforços de instituições filantrópicas, e da ação de alguns abnegados, oásis que se espraiam num deserto de iniqüidades.

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