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Autoridades públicas estaduais e federais criticam o projeto de reabertura de bingos sob o argumento que a atividade se presta à lavagem de dinheiro. Na semana passada, o líder do PSDB na Câmara Federal, deputado José Aníbal, diz desconfiar da liberação da atividade porque "todos os antecedentes do bingo apontam para criminalidade, corrupção e lavagem de dinheiro". A realidade, porém, parece desmentir tais opiniões.

Desde que foram fechadas as casas de bingo – no Paraná esse movimento finalizou em 2003 – não há conhecimento de um único inquérito aberto para investigar lavagem de dinheiro praticada por qualquer pessoa que tenha integrado tais empresas. Desconhece-se, também, a existência de ação penal ou condenação de alguém envolvido com empresas de bingo. Houvesse indícios de crime seria de se esperar investigações em curso, ações penais tramitando, ou mesmo condenações. Ocorre que o crime de lavagem de dinheiro transformou-se num rótulo, em que cabe qualquer coisa.

Um segundo dado relevante é o fato que as maiores operações da Polícia Federal envolvendo pessoas que atuavam em bingos não tratam de lavagem de dinheiro. A operação Hurricane, a maior da Polícia Federal contra corrupção no Judiciário e que envolvia bicheiros e donos de casa de bingo não tratou de lavagem de dinheiro. A operação resultou na prisão de 25 pessoas, entre elas três magistrados, um procurador federal, três bicheiros e quatro delegados federais, sob acusação de venda de decisões judiciais e informações privilegiadas à contraventores do jogo do bicho e donos de casas de bingo. O fundamento da prisão dos magistrados foi primordialmente corrupção passiva.

Da mesma forma, na operação Ouro de Tolo da Polícia Federal, em 2007, bicheiros do Rio de Janeiro foram denunciados e respondem ação penal por contrabando, crime contra a economia popular e por falsidade ideológica. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, o contrabando teria ocorrido por causa da importação de uma peça existente nas máquinas de caça-níqueis (noteiro), o que é proibido no país. Tais peças seriam, em tese, manipuladas em prejuízo do usuário, o que caracterizaria crime contra a economia popular. Já o crime de falsidade ideológica caracterizar-se-ia porque os contratos sociais dos bingos e das empresas de caça-níqueis seriam constituídos por "laranjas". Nada, porém, sobre lavagem de dinheiro. Para que esta ocorresse, seria necessário fazer uma conexão entre a origem ilícita do dinheiro do jogo do bicho e a atividade lícita à época – os bingos. Parece que até o momento isso não ficou comprovado. Por isso tudo, tenho como opinião ser mais provável que a questão dos bingos envolva um factóide político que o efetivo cometimento do crime de lavagem de dinheiro.

Outra questão: recente matéria da Folha de S. Paulo tratou da apreensão dos viciados em jogo. Segundo esta, curiosamente, uma pedagoga afirma que, após o fechamento das casas de bingo, transferiu a compulsão pelo jogo para comida, álcool e cigarro. "Mas consegui largar a bebida e perdi os 30 quilos que havia engordado. Só a compulsão pelo jogo não passa". Ou seja, o problema é humano, não da atividade. Quem tem compulsão se vicia em qualquer coisa. Transmuta-o do jogo à comida.

Alguns sustentam que a corrupção estaria no âmago da atividade dos bingos. Isso tampouco me parece verdadeiro. Os problemas são pontuais (normalmente no Rio de Janeiro). Além disso, as questões que envolvem a corrupção têm seu cerne na indevida intervenção do Estado em uma atividade privada. Tudo muito similar ao período da Lei Seca nos EUA. A lei americana não impediu o comércio de bebidas alcoólicas, mas foi o trampolim para mafiosos como Al Capone. A função do Estado, especialmente numa democracia, é regulamentar, não impedir, o exercício de atividades social e mundialmente aceitas. Isso não é bastante, é necessário regulamentar de forma justa e legítima. Caso contrário, as distorções são corrigidas socialmente no âmbito ora da informalidade, ora da ilicitude. Não podemos ser mais realistas que o rei.

Paulo Henrique da Rocha Loures Demchuk é advogado

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