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Impossível não nos emocionarmos com a abertura da Olimpíada. Nosso complexo de vira-lata, que nos leva a acreditar que o que vem de fora é sempre melhor, aliado à grave crise econômica, política e moral que vivemos, abateu profundamente a autoestima deste povo bravo e de brados retumbantes. Precisávamos realmente de algo positivo. E, por alguns momentos – mágicos diga-se de passagem – todos acreditamos que podíamos mais, muito mais. Esquecemos do impeachment, Lava Jato, violência, miséria...

O que fazer, se não apenas nos rendermos e celebrarmos este derradeiro delírio do lulopetismo de trazer para um país despreparado, em uma cidade maravilhosa e cercada de mazelas horrendas, o maior evento do esporte mundial? Mas celebrar apenas não seria suficiente. As emoções passam. É preciso sim refletirmos sobre o real significado disso tudo no momento atual de nossa história. Centenas de países, representados pelos seus melhores atletas celebrando a união de povos e raças. Onde vence o mérito e a dedicação, o preparo e a superação. E o importante é competir... Será?

Para quem dizia que faria o diabo para vencer as eleições, deve estar sendo muito difícil compreender a utopia olímpica

O sociólogo polonês Zingmunt Baumann, um dos maiores pensadores do nosso tempo, em entrevista recente a O Estado de S. Paulo colocou que estamos vivendo um interregno, ou seja, um intervalo entre dois reinados. Um momento único onde o poder e a política estão dissociados. O poder sendo cada vez menos exercido pelo estado-nação e cada vez mais pela globalização. A política enfraquecida e sem condições de enfrentar tantas mudanças com o uso de seus velhos métodos. Contudo, reflete ele, nada de novo surgiu ainda para podermos superar esta fase de valores líquidos. Se os políticos não nos representam e Deus – e também as utopias – estão mortos, para onde vamos? Existe esperança?

Problemas da nossa vida cotidiana são afrontados de maneira irracional ou simplesmente superficial, sem uma reflexão mais aprofundada ou baseada em critérios universais. O interregno nos deixou imóveis, observadores atônitos de uma realidade muito mais complexa do que imaginamos chegar há 30 ou 40 anos. Mas, mais do que isto, nos tornou órfãos de valores e inseguros em relação ao futuro. A miséria e o espetáculo caminham juntas em nossa sociedade. Passam rapidamente diante dos nossos olhos. O respeito ao próximo ficou de fora dos projetos políticos, que se voltam apenas a desfrutar o exercício do poder, em vez de atender aos anseios da população.

O Brasil representa a décima economia do planeta. Não somos mais considerados pelos outros como um país pobre. Convivemos com as diferenças de uma maneira mais tranquila do que a maioria dos países desenvolvidos. E somos, acima de tudo, um povo alegre e criativo. Mesmo com tantas ameaças à nossa jovem democracia, tudo tem se mantido dentro da ordem institucional. São boas notícias, mas... E o interregno? Qual a moral para enfrentarmos o futuro em um país onde não faltam os maus exemplos e onde sofremos de uma grande carência de líderes coerentes e éticos?

Para quem dizia que faria o diabo para vencer as eleições, deve estar sendo muito difícil compreender a utopia olímpica. E, sem dúvida, se não conseguimos ainda vislumbrar de maneira clara qual será a moral que guiará o nosso futuro enquanto país, pelo menos temos a consciência daquilo que não queremos mais. Não, os fins não justificam os meios. E o importante também não é apenas competir. É servir.

Cicero Urban é médico oncologista e mastologista, professor de Bioética e Metodologia Científica na Universidade Positivo e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.
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